Seria injusto escrever a história da música pop brasileira das duas primeiras décadas deste século XXI sem dar o devido crédito a Alexandre Kassin como um dos produtores mais importantes desse período. Como baixista e/ou produtor musical, o artista carioca é um dos arquitetos do som dessa era contemporânea. Mas Kassin – em foto de Fábio Audi – tem valor limitado como compositor e, sobretudo, como cantor.

Álbum solo lançado pelo artista no Japão em junho de 2017 e recém-editado no Brasil pelo selo carioca Lab 344, Relax reitera essa sensação de que o legado de Kassin é mesmo como produtor. A audição de músicas como Momento de clareza (Kassin e Alberto Continentino) comprova o que já haviam sinalizado os singles com a regravação insossa de Coisinha estúpida (Something stupid) (Carson Parks, 1966, em versão em português de Leno, 1967) – feita por Kassin em dueto com a cantora Clarice Falcão – e com a musica Seria o donut?, composta por Kassin com letra do compositor e músico britânico Rob Gallagher (ex-Incognito).

Não se trata de cobrar potência vocal do artista. Chico Buarque nunca foi dono de voz abastada e, no entanto, o canto do compositor sublinha adequadamente as intenções das músicas do autor. Já o canto de Kassin, além de opaco, soa geralmente inexpressivo. Até mesmo Zabelê, que está longe de ser cantora de fartos dotes vocais, conseguiu expor a beleza do neobolero Enquanto desaba o mundo (Kassin, 2015), diluída na dança desajeitada da gravação do autor.

Capa do álbum 'Relax', de Kassin (Foto: Fábio Audi) Capa do álbum 'Relax', de Kassin (Foto: Fábio Audi)

Capa do álbum ‘Relax’, de Kassin (Foto: Fábio Audi)

Em Relax, o que sobressai é a sonoridade refinada com a qual Kassin sintetiza influências ao longo das 14 músicas do álbum produzido e mixado pelo próprio artista. A bossa pop de Marcos Valle ecoa na música-título Relax (Kassin e Alberto Continentino) e, sobretudo, em O anestesista (Kassin), música mais inspirada da atual safra autoral do compositor, tendo sido feita para disco do grupo polonês Mitch & Mitch.

A questão é que, diferentemente do lisérgico anterior álbum solo de Kassin, Sonhando devagar (2011), Relax é disco que acena para a canção de forma mais convencional e que, por isso mesmo, pede um cantor mais imponente. Até o soul de Hyldon soa sem alma na regravação de Estrada branca (Hyldon, 1976), feita por Kassin com a adesão do próprio artista baiano e do grupo português Orelha negra, reverberando encontro criado para a edição de 2012 do festival Rock in Rio Lisboa.

Deglutindo influências que vão da Bossa Nova à Jovem Guarda, evocada no balanço sedutor de Sua sugestão (Kassin), Kassin dá voz a músicas que sugerem inadequação entre a letra e o formato da canção. Digerido (Kassin e Sean O’ Hagan), por exemplo, tem versos que pediam uma leitura lisérgica que remetesse ao trajeto da comida no corpo humano. Ou o de um corpo humano tragado por um amante guloso, dependendo da leitura.

Em contrapartida, As coisas que nós não fazemos (Kassin e Chris Cummings) versa sobre relacionamento sem cor e sem calor em sintonia com o canto pálido e cool do artista, também talhado (por vias tortas) para os tons esmaecidos de A paisagem morta (Kassin).

O cantor, compositor, músico e produtor Kassin (Foto: Divulgação / Fábio Audi) O cantor, compositor, músico e produtor Kassin (Foto: Divulgação / Fábio Audi)

O cantor, compositor, músico e produtor Kassin (Foto: Divulgação / Fábio Audi)

Com repertório que inclui regravação de Estricnina (Kassin, 2000), samba lançado há 18 na voz opulenta do cantor carioca Toni Platão, o álbum Relax fecha em tom de paródia com a declamação intencionalmente kitsch de Taxidermia (Kassin) sem jamais alterar o status do artista. E até mesmo aí, nessa declamação que remete a discos gravados por atores na década de 1970, falta uma fina ironia ao pseudo-intérprete. Como compositor e, sobretudo, como cantor, Kassin continua sendo um importante músico e produtor do século XXI. (Cotação: * * 1/2)