Se a televisão é o circo eletrônico conceituado por alguns teóricos da comunicação, o pernambucano José Abelardo Barbosa de Medeiros (30 de setembro de 1917 – 30 de junho de 1988), o Chacrinha, foi o velho palhaço tropicalista que balançou a pança e comandou a massa nacional, tal como perfilou o compositor Gilberto Gil no samba de 1969 ouvido no fim do filme de Andrucha Waddington sobre o comunicador.

Também chamada de grande público, essa massa se reunia em frente à televisão para se divertir com as buzinadas nos ouvidos dos calouros e, de quebra, escutar os maiores hits da música brasileira no momento. Cantar no programa do Chacrinha era atestado de sucesso popular. Sucesso real. Sucesso nacional.

Produção viabilizada por parceria da Media Bridge com a Globo Filmes, o filme Chacrinha – O Velho Guerreiro foca o apresentador com músicas e cores vivas, tendo tudo para cativar a massa de cinéfilos a partir de 15 de novembro, data em que entra em circuito.

Poster do filme 'Chacrinha – O Velho Guerreiro' — Foto: Divulgação / Globo Filmes
Poster do filme ‘Chacrinha – O Velho Guerreiro’ — Foto: Divulgação / Globo Filmes

Em essência, o diretor Andrucha Waddington manda aquele abraço afetuoso para Chacrinha mas sem romantizar a personagem revivida nas peles convincentes dos atores Eduardo Sterblitch (na fase da juventude e na batalha para se impor como comunicador na era do rádio) e Stepan Nercessian (a partir de 1957, ano em que Chacrinha migra do rádio para a TV).

O filme expõe com nitidez na tela o temperamento turrão de Chacrinha, a mágoa da mãe, o distanciamento dos filhos por conta da exaustiva rotina profissional na televisão e os discutíveis métodos de trabalho que incluíam colaborações forçadas de cantores às caravanas com as quais o comunicador percorria as periferias do Brasil, reproduzindo precariamente o programa da TV.

Chacrinha – O Velho Guerreiro é filme derivado do musical de teatro estreado em novembro de 2014, dirigido pelo próprio Andrucha e protagonizado por Stepan, mas tem linguagem própria, a do cinema.

Primoroso, o roteiro de Cláudio Paiva, Julia Spadaccini e Carla Faour contribui decisivamente para a transposição da história do palco para a tela com a dose necessária de conflito e drama, sem se escorar na reconstituição do programa, defeito maior do musical de teatro.

Stepan Nercessian tem atuação brilhante como protagonista do filme 'Chacrinha – O Velho Guerreiro' — Foto: Divulgação/Suzanna Tierrie
Stepan Nercessian tem atuação brilhante como protagonista do filme ‘Chacrinha – O Velho Guerreiro’ — Foto: Divulgação/Suzanna Tierrie

Stepan bisa no filme o brilhantismo do musical sustentado pelo ator com interpretação mimética percebida injustamente como imitação por alguns críticos de teatro. O filme deixa evidente o minucioso trabalho de composição (de ator) feito por Stepan, senhor da cena, inclusive nos momentos em que Chacrinha está longe do palco.

Já Eduardo Sterblitch surpreende positivamente por evocar, no impetuoso Chacrinha da juventude, traços e tons que se ajustam à figura cristalizada do apresentador na TV.

O filme também resulta superior ao musical de teatro ao expor a galeria de ídolos da música do Brasil sem os traços caricaturais do espetáculo. O espectador vê e ouve caracterizações críveis de cantores como Roberto Carlos (cantando o rock autoral Quando, de 1967) e Sidney Magal (bem evocado com performance sensual de Meu sangue ferve por você, hit de 1976 que moldou a imagem de amante latino criada para o cantor).

Há ainda o charme de ver e ouvir Luan Santana interpretando calouro que canta Apenas um rapaz latino americano (Belchior, 1976) em apresentação de Chacrinha pelo interior do Brasil. De ver e ouvir Criolo interpretando Vou tirar você desse lugar (1972), primeiro grande sucesso do cantor e compositor Odair José, como outro calouro que tentou a sorte em programa do apresentador. Ou ainda de ver Daúde encarnar com toda propriedade a cantora africana Miriam Makeba (1932 – 2008) na interpretação de Pata pata (Miriam Makeba e Jerry Ragovoy), afro-pop que foi hit mundial em 1967.

A única desatenção histórica do roteiro é induzir o espectador menos informado a achar que a cantora Clara Nunes (1942 – 1983) virou sambista por sugestão de Chacrinha quando, na realidade, a criação da imagem da cantora como sambista foi toda idealizada e executada pelo radialista Adelzon Alves a partir de 1971.

Vivida no filme pela atriz e cantora Laila Garin, Clara tem presença destacada no longa-metragem, cujo roteiro deixa no ar a insinuação de que Clara e Chacrinha viveram um caso de amor, desmentido por ambos na vida real (e pelas personagens na ficção), mas muito especulado nos bastidores musicais.

De todo modo, o mote do roteiro é a trajetória profissional de Chacrinha nas emissoras de TV em que entrou e saiu (de forma geralmente ruidosa). Tanto que o roteiro parte de 1972 – ano de briga do apresentador com Boni (Thelmo Fernandes), então diretor de operações da TV Globo – para depois voltar no tempo e, mais tarde, retomar o fio inicial da história, concluída no filme com o retorno do apresentador para a Globo em 1982 para comandar o Cassino do Chacrinha nas tardes de sábado, dez anos após a saída turbulentada emissora.

O que se vê é um filme que perfila o velho palhaço sem endeusá-lo, mas tampouco sem ocultar o magistral poder de comunicação do apresentador. Alô, alô, Terezinha, é um barato o filme sobre o Chacrinha! (Cotação: * * * * *)