Renno Poeta já abriu para Hermeto Pascoal, foi 'massacrado' ao trocar estilo e hoje é disputado no sertanejo após composições como 'Ar condicionado no 15' e 'Todo mundo vai sofrer'.

Renno Poeta — Foto: Reprodução/Instagram do artista
Renno Poeta — Foto: Reprodução/Instagram do artista

Renno Poeta tinha tudo para crescer no circuito de festivais de jazz pelo Brasil. Quinze anos após rodar o país e abrir shows de Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti, ele realizou seu sonho – bem longe dessa cena. Virou um dos compositores mais populares do sertanejo e do forró.

O coutor de “Ar condicionado no 15”, de Wesley Safadão, “Todo mundo vai sofrer”, de Marília Mendonça, “Quem pegou, pegou”, de Henrique e Juliano, e a nova “JBL”, de Solange Almeida e Márcia Fellipe, explica a virada:

“É mais difícil fazer uma música interessante de forma simples do que com coisas complicadas. Minha luta é simplificar”.

A simplicidade é fruto de uma história longa. O músico de 38 anos passou a infância em igrejas e bandas de baile em Fortaleza, estudou piano na Universidade Estadual do Ceará (UECE), foi da banda de Fagner, entrou para o circuito de jazz, deu meia volta para o popular e teve uma dupla por 15 anos.

Renno se achou como autor há quatro anos e já teve impressionantes 350 faixas gravadas. Em hits recentes de rádio, só perde para o baiano Bruno Caliman. Sua trajetória ilustra como o mercado de composições, centrado no sertanejo goiano, mas também forte no forró cearense, está aquecido.

Pizzarias e Universidade

Renno Saraiva Macedo e Silva é filho de funcionários públicos e foi bolsista de uma escola particular de Fortaleza, onde conciliava os estudos com a música. Aprendeu a ler partituras por conta própria e fazia apresentações em bares e pizzarias por R$ 40. Depois, foi para bandas de baile maiores.

Aos 18 anos, foi fazer graduação em Música com especialização em Piano na UECE. Na mesma época, foi convidado para tocar na banda de Fagner, onde passou a focar na sanfona. Durante a graduação, conheceu o amigo Ítalo, que o acompanhava no projeto de jazz Briga de Foice.

Os dois faziam “duelos” de sanfona que juntavam o acordeon e o baião ao universo da música erudita e do jazz. Foi aí que ele abriu shows de Hemeto Pascoal, Egberto Gismonti e outros nomes fortes no meio, como o baterista Pascoal Meirelles e o falecido baixista Arthur Maia.

Ele entrou neste circuito artístico, mas nunca foi muito apegado a uma cena só: “Cresci ouvindo todos os tipos de música, de Astor Piazzolla a Netinho da Bahia”, conta Renno.

“Sempre achei que precisava dar um passo a mais, mas tinha medo de me desvincular do jazz.” Quando disse que ia tocar forró levei uma pancada de alguns jornalista de Fortaleza, porque eu tinha abandonado a música mais ‘elevada’. Recebi muita crítica de quem antes falava bem de mim”, conta.

“Eu tocava jazz, e depois ia tocar com o Fagner e via que o povo amava. Toquei com o Dominguinhos, e o povo berra, dança, aquela alegria. Eu queria ser um cara que faz um trabalho de relevância, de popularidade. O jazz é restrito, tem público bem mais seleto”, explica.

“Eu nunca tive encanto por impactar poucas vidas, sempre quis alcançar muita gente. Isso me levou a fazer música mais popular”, diz Renno Poeta.

“Eu queria tocar para mais gente, a verdade é essa. Lotar um clube uma praça. Essa visão me fez migrar apesar das críticas. Era tudo o que eu queria. Tive que arriscar, fui para cima”, ele lembra.

Popular sem povo

O curioso é que ele passou muito tempo sendo pouco popular após a decisão. A dupla Ítalo e Renno, com o antigo amigo de faculdade, penou durante 15 anos no mercado de forró Fortaleza, mas nunca conseguiu um grande sucesso. Deu a ele o aprendizado, no entanto, para o futuro trabalho de autor.

Renno Poeta — Foto: Reprodução / Instagram do artista
Renno Poeta — Foto: Reprodução / Instagram do artista

A virada veio com Wesley Safadão. Primeiro, foi “Deixa acontecer”, também gravada por Michel Teló e Aviões do Forró. Mas o contato ainda era indireto. Renno não tinha o cobiçado WhatsApp de Wesley Safadão. Um dia, ao ir ao escritório do ídolo assinar uma autorização, eles finalmente conversaram.

“Eu sentei lá, era uma segunda feira de manhã, ele estava super ocupado. Sempre fui fã porque ele trabalha demais. Ele perguntou qual era meu sonho. Falei que era ter mais músicas gravadas por ele, e ter pelo menos um hit”. Logo depois, Renno enviou “Ar condicionado no 15” para o novo contato.

A música de Renno virou um dos maiores sucessos de Wesley nos últimos anos, e ele entrou para a seleta lista dos parceiros e frequentes – já são 42 composições gravadas por Wesley Safadão. “Ele me fez um desafio de seguir meu sonho, e eu topei. Sou grato por isso”, diz.

Todo mundo vai gravar

Aí a porteira abriu. Ele também foi coautor dos grandes sucessos recentes de ao menos dois dos maiores artistas sertanejos atuais: “Quem pegou, pegou”, de Henrique e Juliano, e “Todo mundo vai sofrer”, de Marília Mendonça. A segunda foi feita desde o início pensando na voz final.

A gente estava no apartamenteo da Lari [Ferreira, coautora] e ela falou de uma ideia legal de ‘bem me quer, mal me quer’, e puxou o refrão. Aí eu pensei: ‘Pô, a Marília passou a vida inteira sofrendo, vamos dizer que ela vai botar todo mundo para sofrer? E fiz o começo, do copo, da garrafa e da mesa”, conta.

“O Junior Gomes e o Diego Henrique vieram com essa volta pro cima que e ela dá na letra, mesmo dentro da sofrência. Era uma perspectiva nova. Música é uma aposta. A gente não sabe o que vai dar, mas tem que achar o tijolinho que está faltando no cenário do mercado naquela hora.”

Bruno & Marrone & Piazzolla

Se antes ele atirava para todos os lados, agora faz mais trabalhos por encomenda. “Eu sou um analista. Analiso a personalidade do artista para saber o que pode funcionar”, diz. A parceria mais recente foi com Bruno & Marrone, em que ele colocou “uma sanfona meio Astor Piazzolla”.

Gusttavo Lima, Maiara & Maraisa, Xand Avião, Marcos & Belutti e diversos outros nomes do sertanejo e do forró já recorreram a seus serviços.

 

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O trabalho de intérprete continua, mesmo que com menos repercussão. A dupla com Ítalo acabou, mas ele lançou há cinco meses a música solo “Pegada do roceiro”, com Wesley Safadão. A faixa teve um milhão de views, valor considerável, mas bem mais baixo que os hits que compôs.

Mas seguir no palco ajuda a pensar nas composições. “Eu consigo entender a reação das pessoas”, ele explica. A música em que Marília Mendonça faz seus próprios fãs sofrerem foi baseada nessa reflexão.

“Muita gente quer fazer shows só para cima, alegria, alegria. Mas tem gente que está lá embaixo para sofrer, para chorar, para ‘roer’. Daí vem ‘Todo mundo vai sofrer'”, explica.

“Eu só faço uma música quando consigo imaginar uma pessoa cantando ela num show”, ele explica.

‘Modo JBL’

A música recém-lançada por Solange Almeida e Márcia Fellipe tem esse tipo de refrão de sofrimento para multidões: “Não queira estar na minha pele / Eu estou no modo JBL / Jogada, Bebendo, Largada/ Ele tá no piseiro e eu sendo pisada.”

“Essa fiz com parceiros de Fortaleza mesmo [Kaleb Jr, Felipe Amorim e Kaio Dj]. Eles estavam com essa ideia de falar da caixinha de som porque está todo mundo carregando, aí criamos a sigla e entramos com a pisadinha [variação do forró em alta no Nordeste]”.

A marca é citada de forma espontânea, sem “publi”, ele diz. “A gente mandou primeiro para o Wesley, mas ele viu uma coisa mais feminina”. Foi assim que a faixa chegou às duas cantoras de forró.

E as próximas? “Tenho duas músicas que vão ser gravadas pelos Barões da Pisadinha, que estão explodidos no Brasil. E também aposto muito nessa música com Bruno & Marrone. Uma com Barões, outra com Bruno. São bem diferentes, né? Eu não tenho rótulo”, diz.