Ator medita, faz análise e participa de projeto para ajudar comunidades na pandemia. Ele fala ao G1 sobre ansiedade na quarentena e retorno às novelas: 'Tinha esquecido o quanto se trabalha'.

Cauã Reymond em foto publicada no Instagram — Foto: Reprodução/Instagram/Cauã Reymond
Cauã Reymond em foto publicada no Instagram — Foto: Reprodução/Instagram/Cauã Reymond

Cauã Reymond sempre foi uma pessoa ativa. Na adolescência, por pouco não virou atleta profissional jiu-jitsu. Mas, nos últimos meses, se aproximou ainda mais do esporte.

A conexão com o corpo e a mente em equilíbrio o ajudam a lidar com a saudade da mãe, que morreu em 2019, vítima de um câncer. No mesmo ano, ele também perdeu uma tia para a doença. “Encontrei na saúde e no cuidado com a cabeça um lugar de cura”, diz.

Na quarentena causada pelo coronavírus, ele buscou alívio em conversas com nomes desse universo. Mas também na meditação, em um pouco de surfe e na análise duas vezes por semana.

O trabalho tem ajudado. Cauã está criando uma série para a TV, depois de acumular experiências na produção de filmes como “Não devore meu coração” (2017), “Uma quase dupla” (2018) e “Pedro” (ainda sem data de estreia).

Na frente das câmeras, participa de lives e da série “Lifesaving conversations” (conversas que salvam vidas, em tradução livre), em que conduz mais um papo inspirado. Dessa vez, com a professora Camila Cristal, fundadora de um projeto para afastar crianças de contextos de violência através da educação, no Complexo do Alemão, no Rio.

Ludmilla, Pabllo Vittar e Daniela Mercury também estão entre os artistas que participam da edição brasileira do projeto, comandado pela organização internacional Liberatum, para arrecadar fundos a comunidades vulneráveis durante a pandemia.

Volta às novelas

Além de tudo, Cauã se prepara para voltar às novelas. O desejo de estar mais próximo da mãe em seus últimos momentos foi uma das razões que levaram o ator a se afastar da rotina intensa de gravações imposta pelo formato, nos últimos cinco anos.

Cauã Reymond em 'A regra do jogo', sua novela mais recente, exibida em 2015 — Foto: Fabiano Battaglin/TV Globo
Cauã Reymond em ‘A regra do jogo’, sua novela mais recente, exibida em 2015 — Foto: Fabiano Battaglin/TV Globo

Em entrevista ao G1, ele conta como foi começar a gravar, antes da quarentena, a trama que substituirá “Amor de mãe” (TV Globo) no horário das 21h. “Eu tinha esquecido o quanto se trabalha em novela, se trabalha muito.”

Também fala sobre o futuro do cinema pós-pandemia e explica por que considera ter sido, no início da carreira, “quase um trabalhador braçal do audiovisual”.

G1 – Como muitos brasileiros, você se vê emocionalmente abalado durante a quarentena? O que tem feito para segurar as pontas?

Cauã Reymond – No começo, cada semana era uma semana. Busquei conversar com outras pessoas pela internet, como muita gente fez. Tentei falar com pessoas que me inspiravam naquele momento, pra lidar com a angústia, a ansiedade e o medo,

Acabei sendo levado para o lado do esporte. Conversei muito com o com [o nadador] Daniel Dias, nosso maior paratleta. Mas também falei com [o filósofo Mario Sergio] Cortella, a Monja Coen, Fábio Assunção… são pessoas que me trazem algum tipo de luz. Estou muito inspirado pelo Fábio nessa busca que ele vive, para encontrar um lugar no esporte.

Também busquei alívio na meditação, em aplicativos… Já tenho uma rotina de ir de máscara a alguns lugares. Saio de casa, sempre com os cuidados necessários. Em alguns momentos, fui surfar. Já testei algumas vezes [para o coronavírus]. Tenho todo o cuidado também por causa da minha filha, que está em guarda compartilhada [Sofia é fruto do relacionamento do ator com Grazi Massafera].

Cauã Reymond com a filha Sofia, fruto do relacionamento com Grazi Massafera — Foto: Reprodução/Instagram/Cauã Reymond
Cauã Reymond com a filha Sofia, fruto do relacionamento com Grazi Massafera — Foto: Reprodução/Instagram/Cauã Reymond

Alguns momentos são muitos angustiantes. Eu sou um cara muito das pessoas, nem sabia que era tanto. Duas vezes por semana faço análise, por telefone. Tem sido um período muito rico pra falar sobre o que está acontecendo, como estou inserido nisso e quem eu quero me tornar.

G1 – Essa proximidade com o esporte tem a ver com a série que você está criando para a Globo?

Cauã Reymond – Sempre tive contato com o esporte. Fui atleta na adolescência, No ano passado, perdi minha mãe e minha tia para o câncer. Com isso, minha relação com esse lugar do bem estar ganhou um novo capítulo.

“Por ter tido essas perdas para a doença, encontrei na saúde, no cuidado com a cabeça, um lugar de cura. Eu amo estar em contato com isso porque sinto muita saudade da minha mãe.”

Na série, vamos falar sobre muitos assuntos delicados. Está sendo muito legal trabalhar com ela nesse período. Estamos tocando em lugares corajosos.

G1 – Qual tem sido a parte mais difícil do isolamento?

Cauã Reymond – Ficar sem trabalhar. Já tinha iniciado as gravações da próxima novela das 9h. Estava muito aquecido como ator, Foi difícil parar no meio.

G1 – Há 5 anos você está longe das novelas. Como foi voltar pra começar a filmar essa nova trama?

Cauã Reymond – Filmamos em Praga, em São Paulo e estávamos filmando no Rio quando começou a quarentena.

“Eu tinha esquecido o quanto se trabalha em novela, se trabalha muito. É um trabalho árduo de contar a mesma história de forma diferente todo dia, pra que a pessoa que não viu na segunda possa entender na terça.”

Mas é um trabalho também de muito reconhecimento. As pessoas entram em contato com seu trabalho de forma muito imediata. Estou curioso pra saber como vai ser sentir isso de novo.

Cauã Reymond como Jorginho em "Avenida Brasil" — Foto: Raphael Dias/TVGlobo
Cauã Reymond como Jorginho em “Avenida Brasil” — Foto: Raphael Dias/TVGlobo

G1 – Esses anos que passou dedicado a outros projetos foram planejados, uma escolha estratégica da sua carreira?

Cauã Reymond – Foram planejados, sim. Minha mãe ficou 5 anos dodói. A família se organizou pra estar presente, estar com ela nesse período.

Mas foi também um desejo artístico, pra fazer outros projetos e dar continuidade ao caminho que eu sonhava pra minha carreira. Nesse período fiz projetos muito bacanas, que só me fizeram amadurecer, Mudei um pouco a plataforma e acho que isso faz parte do jogo.

Me sinto muito lisonjeado por ter tido essa possibilidade, sei que não é uma coisa tão fácil. mas foi fruto de muito trabalho, de não tirar férias nos 10, 15 primeiros anos da minha carreira.

“Sempre emendava uma novela com algum filme, Fui quase um trabalhador braçal do audiovisual durante muito tempo.”

Fico muito feliz por ter conseguido me dar essa oportunidade e também por ter ficado perto da minha mãe durantes esses últimos anos.

G1 – A proposta da série “Lifesaving conversations”, da qual você participa, tem a ver com as conversas inspiradoras que você tem tido durante a quarentena. Como se preparou para o seu episódio?

Cauã Reymond – Camila Cristal me tocou muito. Por eu ter feito o filme ‘Alemão’ [de 2014], eu tive um contato próximo com o pessoal da comunidade na época. Fiquei frequentando o Alemão pra fazer laboratório.

Fiquei mexido com as histórias que ela me contou de violência doméstica e assédio das crianças. Elas me trouxeram uma indignação muito grande.

Camila fala sem valorizar a própria dor. Não sei bem como explicar… parece que ela não tem compaixão por ela mesma, mas pelos outros. É uma luta pessoal. Ela tem noção das oportunidades que teve e, ao mesmo tempo, percebe que, se tivesse tido a ajuda que ela está oferecendo para essas crianças e jovens, tudo seria diferente. É um projeto muito bonito.

G1 – É um projeto sobre pautas sociais, que marcaram muito esses últimos meses, com a pandemia e o movimento das Vidas Negras Importam. Na sua opinião, qual o papel de artistas num contexto como esse?

É uma pergunta complicada, não posso falar pelos meus colegas. Com tanta coisa importante sendo discutida. cada pessoa tem a sua luta e, com isso, tem também mais propriedade pra falar sobre determinados assuntos – minorias. liberdade das escolhas sexuais, feminismo, respeito às causas, luta contra o desmatamento, injustiças sociais…

“A gente vê as notícias sobre o número de mortos e a sensação é de que o ser humano vai se acostumando com cenários negativos. Fico preocupado com pessoas que não se preocupam com a saúde dos outros.”

Mas, sobre o papel dos artistas, cada um encontra o seu e fala o que tem que falar. Muitos deles inspiram outras pessoas. A [filósofa] Djamila Ribeiro, por exemplo. Não sei se dá pra chamá-la exatamente de artista, mas ela ocupa esse lugar e fala muito bem, tem um discurso sem ódio, o que é muito agregador e inspirador. Gisele [Bündchen] fez 40 anos e comemorou com uma campanha pra plantar árvores na Amazônia.

É isso, cada um encontra a sua narrativa. No meu caso, vou me encaixando nas coisas que me tocam e que eu sinto que tenho capacidade de defender. Posto coisas que me interessam sobre igualdade racial, a questão feminina, poluição, aquecimento global…

Eu mesmo estou encontrando a minha narrativa e aprendendo com as coisas com as quais eu entro em contato. Não me coloco no lugar de uma pessoa que sabe tudo. até para nao entrar de gaiato numa situação sem ter um pouquinho de propriedade.

G1 – No cinema, você está no filme “Piedade”, de Claudio Assis, que estreou em junho em um festival on-line. Acha que, após a pandemia, esse tipo de estreia no streaming vai se tornar mais comum? Vê isso com bons olhos?

Cauã Reymond – Normalmente, esse tipo de filme nos cinemas não chega a 80 mil espectadores. Nesse festival on-line, “Piedade” teve 80 mil views em dois dias. Cerca de 70% das pessoas que acessaram o festival foram em busca dele. Foi uma vitória que a gente não imaginava.

Mas o filme ainda vai estrear [em um cinema físico]. O lugar do cinema é muito importante. Ficou claro nessa pandemia que a arte ajuda a gente na solidão.Todas as formas de arte nos dão a possibilidade de desengasgar, e muita gente está engasgada com o que tá acontecendo.

Eu espero que o cinema volte com força total. Eu não acho que o streaming vai 100% desse lugar. Não tem como trocar um pelo outro. Ir ao cinema é uma experiência única, que te proporciona, por exemplo, jantar, tomar um vinho depois, conversar. É bem diferente de ver um filme em casa.

G1 – Nesse filme, tem gerado muita curiosidade e repercussão as cenas amorosas e sexuais que você protagoniza com o Matheus Nachtergaele. Acha essa curiosidade natural ou isso faz parte de uma cultura homofóbica?

Cauã Reymond – Nunca pensei como homofobia. Não sei te explicar… contracenar com um homem é como com mulher. Você vai lá e cumpre o trabalho. E o Matheus está entre os três maiores atores do Brasil, é um monstro. Pra mim é um presente estar com ele.

O ‘Piedade’ é um projeto que eu tenho tanto orgulho. Acho que ele convida a gente a olhar o mundo de um jeito diferente. Claudio não tem medo de colocar o dedo na ferida. Ele me proporcionou um desses personagens raros.