Chorn Sarath, produtor de conteúdo responsável por 10 canais, fala ao G1 sobre vídeos: 'Amamos construir as coisas na selva'. Professor de arquitetura analisa técnicas de construção.

Canais no YouTube mostram passo a passo de obras impressionantes no Camboja
Foto: Reprodução/G1

Um homem olha para um monte de terra no Camboja, país do sudeste asiático, e decide construir uma mansão com piscina. Ele começa a riscar no chão o projeto, com um pedaço de pau, a única ferramenta necessária para o empreendimento imobiliário.

Sessenta dias depois, o serviço está feito, após um incansável trabalho de escavação. E devidamente registrado em um vídeo no YouTube com quase 17 minutos e 200 milhões de views.

Cinco dos principais canais de vídeos com construção primitiva, como os descritos acima, somam mais de 15 milhões de inscritos e mais de 2 bilhões de visualizações.

Na descrição de alguns desses vídeos, há informações de que a gravação foi feita em outros lugares (Estados Unidos, Singapura, América do Sul). Segundo um produtor ouvido pelo G1, porém, essas construções foram feitas em áreas rurais do Camboja.

O principal responsável por dez desses canais tem 30 anos e se chama Chorn Sarath. Os vídeos são gravados em Siem Reap, cidade com pouco mais de 140 mil habitantes no Camboja, onde ele nasceu e mora.

“Resolvemos gravar vídeos porque amamos construir as coisas na selva”, conta Sarath. “Tudo o que construímos é só com ajuda de amigos e familiares. Eu edito os vídeos e meu irmão mais velho aparece na maioria deles. Só ganhamos dinheiro com os vídeos, não vendemos as propriedades.”

Ele diz ser responsável por dez canais e conta que conhece todos os outros citados nesta reportagem. “Somos 30 pessoas, cada canal tem três pessoas. É um cameraman e dois atores. Ninguém é profissional, eles aprenderam [a editar e filmar] comigo.”

Ele nega listar todos os canais por ele produzidos. Mas cita campeões de audiência do ramo como:

  • I am Builder (216 milhões de views);
  • Primitive Survival (164 milhões de views);
  • Primitive Survival Tool (593 milhões de views);
  • e Tine TV (94 milhões de views).

“Amamos construir e ganhar dinheiro para nossa família. Essa é a nossa vida real. Acontecem alguns acidentes, mas não tem problema. Nossa vida real é bem mais difícil do que isso”, garante ele.

Quanto vale o show?

Fotos de carros que foram publicadas no perfil de Chorn Sarath, produtor de conteúdo do Camboja, no Facebook — Foto: Reprodução/Facebook do produtor
Fotos de carros que foram publicadas no perfil de Chorn Sarath, produtor de conteúdo do Camboja, no Facebook — Foto: Reprodução/Facebook do produtor

Mas a vida real que consta no perfil de Facebook do produtor de conteúdo é diferente. Na galeria de fotos, ele mostra um carro Toyota Prius novo, que custa em torno de US$ 25 mil.

Há ainda imagens de sapatos femininos de uma marca famosa e prints de recibos de saque em um banco, no valor de mais de US$ 15 mil. Perguntado ao G1 sobre os prints e imagens, Sarath não respondeu sobre esses temas.

O produtor também publicou prints de telas do Google Analytics, serviço de estatísticas de visitas a sites. Em uma das telas, é possível ver que ele ganhou quase US$ 50 mil em um mês, com apenas um dos canais.

Sarath diz que cada trabalhador envolvido com os vídeos ganha entre US$ 1.000 e US$ 1.500 por mês.

Chorn Sarath, produtor de conteúdo de vídeos de construção primitiva, tem costume de publicar prints com os números dos canais no YouTube que ele administra — Foto: Reprodução/Facebook do produtor
Chorn Sarath, produtor de conteúdo de vídeos de construção primitiva, tem costume de publicar prints com os números dos canais no YouTube que ele administra — Foto: Reprodução/Facebook do produtor

Antes da criação dos canais no YouTube, ele afirma que os construtores ganhavam cerca de US$ 5 por dia, sem garantia de que teriam trabalho todos os dias.

“Alguns fãs pensam que usamos máquinas, mas eles estão errados. Usamos apenas as mãos e trabalho pesado.”

Onda primitiva não é novidade

O produtor de conteúdo Chorn Sarath em dois momentos dos bastidores dos vídeos que publica no YouTube — Foto: Reprodução/Facebook do produtor
O produtor de conteúdo Chorn Sarath em dois momentos dos bastidores dos vídeos que publica no YouTube — Foto: Reprodução/Facebook do produtor

Embora os canais tenham sido criados entre 2015 e 2016, a onda dos vídeos de “tecnologia primitiva” ganhou mais força a partir de 2018.

Foi também neste ano que o australiano John Plant, do canal Primitive Technology, passou a fazer mais sucesso, com vídeos semelhantes.

Hoje, ele tem mais de 10 milhões de inscritos e 918 milhões de views. Plant não vive na selva. Ele apenas vai até o meio do mato para acampar e gravar os vídeos.

O que diz um especialista?

O G1 foi atrás da opinião de um especialista. Segundo José Eduardo Baravelli, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a maioria dos vídeos desta reportagem são de construções a partir de escavação e impermeabilização.

✔️ O que faz sentido

Segundo o professor, as escavações dos vídeos só são viáveis em regiões com uma combinação precisa de areia e argila. “É preciso que o solo se solte apenas com o corte de uma lâmina e que o material não escavado permaneça firme mesmo que tenha sido cortado num plano vertical.”

Baravelli, membro do Departamento de Tecnologia da Arquitetura e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela USP, diz que acompanha canais no YouTube sobre construções realizadas com técnicas primitivas, ou “vernaculares”.

Para ele, é possível que tudo tenha sido executado manualmente, com as ferramentas mostradas nos vídeos. “Máquinas de escavação são brutas demais para fazer detalhes como degraus ou nichos. Também não é tão improdutivo aplicar uma massa impermeabilizante com a palma da mão.”

❌ O que é questionável

Mas ele faz ressalvas. “Mesmo com um solo favorável, as paredes escavadas só conseguiriam se manter em pé enquanto não chover. Os vídeos mostram uma paisagem tropical, mas em período de seca”, garante o professor.

Ele também diz que uma impermeabilização com material de cupinzeiro não aguentaria tanta água por tanto tempo como aparece nos vídeos. “A não ser que a água fosse fornecida por bombas mecânicas e pelo tempo suficiente para se fazer as imagens.”

Vídeos exibicionistas x vídeos engenhosos

O vídeo exibicionista, diferencia Baravelli, apela para “fantasias que são apenas de quem o vê”. Para que construir um tanque sem ralo, que ficaria imundo no primeiro dia? Não seria melhor tomar banho de rio? As construções, portanto, não teriam vida útil.

O video engenhoso tem mais a ver com o protagonista do que com os espectadores. A ideia não é se exibir, mas buscar soluções para se viver bem na natureza.

São menos extravagantes, mas foram pensados de acordo com as reais necessidades de uma vida primitiva. O professor indica os canais Mr Chickadee e Advoko MAKES, além do já citado Primitive Technology.

O que diz o YouTube?

Ao G1, a assessoria do YouTube disse que não há limitação no número de canais que cada usuário pode criar. “Qualquer usuário que acredite ter encontrado uma violação dessas regras pode fazer uma denúncia e nossa equipe fará a análise do vídeo.”

“Quando não há violação à política de uso do produto, a decisão final sobre a necessidade de remoção do conteúdo cabe ao Poder Judiciário, de acordo com o que estabelece o Marco Civil da Internet.”