Dori Caymmi, Edu Lobo e Marcos Valle aparecem juntos na foto de Nana Moraes exposta na capa do álbum Edu, Dori & Marcos, lançado hoje, 25 de maio, com distribuição nacional da gravadora Biscoito Fino. Pena que eles estão separados no disco em si, o primeiro gravado pelos três artistas cariocas em cerca de 55 anos de música e amizade.

O único entrelaçamento é o dos respectivos cancioneiros destes extraordinários compositores que alicerçaram obras sólidas a partir dos anos 1960, década da implantação da música pós-Bossa Nova rotulada como MPB. No disco Edu, Dori & Marcos, cada artista canta duas músicas de autoria de cada um dos outros dois compositores. Em bom português, cada um dos três ícones da MPB responde individualmente por quatro das 12 faixas, produzindo as próprias gravações com as respectivas bandas, nas quais há a interseção de músicos como o baixista Jorge Helder.

Por mais que o álbum Edu, Dori & Marcos seja pautado pelo requinte harmônico que caracteriza os cancioneiros autorais dos compositores, fica no ar uma certa decepção pela falta de interação. O isolamento dos artistas atenua a importância de disco que seria histórico se a reunião dos três cantores, compositores e músicos extrapolasse a foto da capa. Três artistas que chegaram a formar por volta de 1963 um trio – com Valle ao piano e com Dori e Edu aos violões – cuja existência efêmera se limitou a algumas apresentações em programas de TV.

Capa do álbum 'Edu, Dori & Marcos', de Edu Lobo, Dori Caymmi e Marcos Valle (Foto: Nana Moraes)
Capa do álbum ‘Edu, Dori & Marcos’, de Edu Lobo, Dori Caymmi e Marcos Valle (Foto: Nana Moraes)

Como não há a mínima interação, o valor documental e artístico do álbum fica reduzido. Mas não a ponto de anular a eventual beleza da visitação das obras de uns pelos outros. Não por acaso parceiros do nacionalista Paulo César Pinheiro, Dori e Edu têm mais afinidades como compositores porque ambos construíram obras dentro dos limites da música brasileira – paralelo que facilita a interpretação de músicas de um na voz do outro, como evidenciam o registro de Na ilha de Lia no barco de Rosa (Edu Lobo e Chico Buarque, 1988) com o canto grave de Dori, a gravação de Velho piano (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro, 1982) na voz já sem viço de Edu e a abordagem de Na ribeira deste rio (Dori Caymmi sobre poema de Fernando Pessoa, 1985) na interpretação de Edu.

Valle é compositor de alcance mais pop e universal que, desde os anos 1960, soube absorver as influências e o ritmos (o soul, o funk e rock, inclusive) da música do mundo sem deixar de valorizar os ritmos do Brasil. Contudo, no disco do trio, o cancioneiro de Valle abordado por Edu e Dori é naturalmente o de natureza mais nacionalista. É no ritmo de samba-canção, dominante no álbum, que Edu aborda O amor é chama (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1966) e a engajada canção ruralista Viola enluarada (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1966).

Já Valle se revela intérprete sem capacidade para exprimir todo o denso sentimento de Canto triste (Edu Lobo e Vinicius de Moraes, 1966) e tampouco consegue levar Saveiros (Dori Caymmi e Nelson Motta, 1966) para mar mais profundo. Em contrapartida, Valle é o único dos três que ainda sabe cair bem no suingue. Por isso, acerta o passo de Corrida de jangada (Edu Lobo e José Carlos Capinam, 1966) e roça a manemolência sensual de Alegre menina (Dori Caymmi e Jorge Amado, 1975) em gravação cujo arranjo evoca o universo musical de Dori nos toques da flautas de Danilo Sinna e Marcelo Martins.

No cômputo geral, Dori é o que contabiliza mais acertos, inclusive pela robustez do canto. Seja ao dar voz ao samba-canção Passa por mim (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1965), seja ao embarcar na viagem marítima proposta em Dos navegantes (Edu Lobo e Paulo César Pinheiro, 1993), Dori se confirma um senhor cantor.

De todo modo, se falta interação entre os três artistas, sobra unidade ao longo das 12 gravações do álbum Edu, Dori & Marcos. Unidade que também gerou certa linearidade deste disco que poderia ser mais antológico e mais sedutor do que efetivamente é. (Cotação: * * *)