Bernardo Lobo parece esboçar um eterno recomeço a cada disco, ainda em busca de se fazer ouvir como cantor e compositor longe da sombra gigante do pai Edu Lobo. Com a edição do quinto álbum, C’ALMA (Biscoito Fino), o artista se distancia geograficamente do Brasil, por conta de ter migrado para Portugal, mas permanece musicalmente ligado ao país natal, ainda que o disco tenha inevitáveis conexões com o universo musical lusitano.

Nessa travessia, Bernardo Lobo dá grande passo para se firmar como compositor sem a ajuda paterna, mas tampouco sem evitar o DNA musical. O laço familiar já é puxado na abertura do álbum pelo fio da memória que estende o cordão carnavalesco com lembrança da marcha Zum zum (Paulo Soledade e Fernando Lobo, 1951), alocada como vinheta gravada somente com as vozes e as palmas de Bernardo e Pierre Aderne, produtor do disco gravado em Almada, Portugal, de agosto a novembro de 2017.

O laço é reforçado pelo fato de Bena – como o artista é conhecido no meio musical – ser neto de um dos compositores da marcha, Fernando Lobo (1915 – 1996), o pai pernambucano de Edu. A herança familiar também é exposta na composição da Ciranda da lágrima (Bernardo Lobo, Mú Chebabi e Ronaldo Semedo), faixa que sintetiza o espírito de C’ALMA ao conjugar a tradição do cancioneiro nordestino – herdada por Bernardo tanto de Edu quanto de Fernando Lobo – com a melancolia da música portuguesa.

Nessa equação luso-brasileira, a balança pende para o samba à moda tradicional carioca em Para por aê – faixa dividida por Bernardo com o canto manemolente do carioca Pedro Miranda – e em Amor de valor. Esses dois sambas são parcerias do dono do disco com o também carioca Moyseis Marques, compositor que agrega valor ao cancioneiro autoral de Bernardo Lobo.

Moyseis também é parceiro em Barca dos corações partidos (2015), inspirada música arranjada com evocação dos sons da nação nordestina e também do universo musical de Dori Caymmi, compositor contemporâneo de Edu Lobo. Outro nome agregador na ficha técnica de C’ALMA é Marcos Valle (outro contemporâneo de Edu), parceiro de Bernardo em Menina das nuvens, canção em que o filho de Edu Lobo declara amor à filha Maria, nascida em Portugal. O sopro do sax soprano de Humberto Araújo (co-arranjador desta e de outras faixas do disco) sublinha o tom afetuoso da canção.

Capa do álbum 'C'ALMA', de Bernardo Lobo (Foto: Alfredo Matos) Capa do álbum 'C'ALMA', de Bernardo Lobo (Foto: Alfredo Matos)

Capa do álbum ‘C’ALMA’, de Bernardo Lobo (Foto: Alfredo Matos)

No álbum C’ALMA, Bernardo Lobo se exercita como (bom) arranjador ao mesmo tempo em que se aproxima do universo da MPB, como a reforçar o elo com o Brasil pela gravação em Portugal dessas cantigas de longe. Nessa travessia intercontinental entre os países, o samba Terra à vista (Bernardo Lobo e Mu Chebabi) sobressai no repertório ao cruzar a ponte luso-brasileira com o batuque dos morros cariocas, com um leve acento da também carioca Bossa Nova e com um sutil ar de fado.

Tal ar fadista é mais perceptível e encorpado em Essas noites, sensível canção adornada com o toque da viola portuguesa de Sérgio Costa em que Joyce Moreno versa sobre saudade em letra feita a partir de melodia composta por Bernardo. O sotaque português da cantora Maria Emília, convidada do xote embebido em fado Planisfério do amor (Bernardo Lobo e Pierre Aderne), também ajuda a situar C’ALMA nessa ponte que liga o Brasil a Portugal, mas sempre mais perto do Brasil.

Curiosamente, aliás, foi ao sair do país que Bernardo Lobo gravou o mais sofisticado e mais brasileiro álbum de discografia iniciada na década de 1990. Músicas como Gota de sol (Bernardo Lobo e Mu Chebabi) e Quererá (Bernardo Lobo e João Cavalcanti) evidenciam um compositor em surpreendente progresso.

Aos 45 anos, Bernardo Lobo é hoje um brasileiro radicado em Portugal que, tal como fez o pai Edu Lobo há 48 anos em disco gravado em Los Angeles (EUA) e editado em 1970, manda cantigas de longe em repertório com força para ressoar na memória do Brasil. (Cotação: * * * 1/2)