Criado em 1987 pelo empresário José Maurício Machline, o Prêmio da Música Brasileira vem tentando acompanhar as mudanças do mercado fonográfico nos últimos 30 anos. Não foi por acaso que, para a edição deste ano de 2018, foram anunciadas mudanças como a criação da categoria Melhor videoclipe e a permissão para que músicas lançadas somente em single pudessem concorrer ao prêmio de Melhor canção.

No entanto, uma análise da lista de indicados à 29ª edição do Prêmio da Música Brasileira – programada para 15 de agosto em cerimônia no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em homenagem a Luiz Melodia (1951 – 2017) – indica que o prêmio continua excessivamente conservador e voltado para a MPB.

O corpo de jurados – integrado por este colunista e por outros 19 nomes arregimentados entre artistas e jornalistas da área musical – favorece demasiadamente cantores associados à MPB e minimiza a produção do rap e do pop contemporâneo. Tanto que a relação de 82 indicados em 36 categorias – lista liderada por Chico Buarque e Mario Adnet (integrante do júri), com quatro indicações cada um – ignora álbuns elogiados e recorrentes em listas de melhores discos de 2017.

Os álbuns A gente mora no agora (do ex-Titãs Paulo Miklos), Esú (do rapper baiano Baco Exu do Blues), Galanga livre (de Rincon Sapiência), Pop banana (de Júlia Vargas), Recomeçar (de Tim Bernardes) e Vem (de Malu Magalhães) são ausências sentidas.

Tim Bernardes, indicado como "Revelação"  (Foto: Reprodução / Facebook Tim Bernardes)
Tim Bernardes, indicado como “Revelação” (Foto: Reprodução / Facebook Tim Bernardes)

Em cena desde 2009 como integrante do trio paulistano O Terno, Tim Bernardes concorre como “Revelação” – indicação que soa como mea culpa pelo fato de o álbum solo do artista, Recomeçar, não ter sido indicado a melhor disco e tampouco ter emplacado uma música na categoria Melhor canção – e Rincon Sapiência concorre com o clipe de A volta pra casa (dirigido por Kill The Buddha) na única categoria que espelha a força da cena pop indie contemporânea (há também clipes de Karol Conka e do grupo O Terno na disputa).

Contudo, tais indicações são insuficientes para diluir a impressão de que o Prêmio da Música Brasileira é o prêmio da MPB. A ponto de até a genérica categoria Pop / Rap / Reggae / Hip hop / Funk – na realidade, um saco de gatos criado para abrigar nomeações de todos os artistas que fazem música fora do universo da MPB – estar dominada por artistas em maior ou menor proporção identificados com ela, a Música Popular Brasileira surgida na década de 1960, casos do grupo Novos Baianos e dos cantores Chico César e Gal Costa.

De que adiantou admitir que músicas lançadas em singles concorressem ao prêmio de melhor canção se as três composições indicadas nessa categoria são de um mesmo artista (Chico Buarque, sozinho e com parceiros como Cristovão Bastos e Chico Brown) e de um mesmo álbum (Caravanas)?

Chico Buarque é um dos maiores compositores do Brasil (e do mundo) em todos os tempos. Mas nenhum outro compositor nacional produziu uma grande música em 2017? Não é o que parece diante da aclamação do álbum solo de Tim Bernardes, Recomeçar, repleto de belas canções.

João Bosco concorre pelo álbum 'Mano que zuera' na categoria MPB (Foto: Divulgação / Flora Pimentel)
João Bosco concorre pelo álbum ‘Mano que zuera’ na categoria MPB (Foto: Divulgação / Flora Pimentel)

Será que nem mesmo João Bosco – que concorre aos troféus de Melhor álbum e de Melhor cantor na categoria MPB por conta do excelente álbum Mano que zuera – poderia ter emplacado uma canção? Poderia, claro. Mas é mais fácil dar logo a nota máxima para Chico, embora seja justo reconhecer que as três músicas do compositor indicadas (As caravanas, Massarandupió e Tua cantiga) são excelentes, ainda que a favorita As caravanas tenha provocado impacto mais pela letra e pelo arranjo épico do que pela melodia em si.

Seja como for, nenhum mal há em laurear mais uma vez os veteranos da MPB desde que essa intenção fique clara. Afinal, se há listas de melhores discos focadas somente na cena pop contemporânea, ignorando a produção dos ícones da MPB, por que não pode haver um prêmio que represente sobretudo um congraçamento dessa MPB?

Se o Prêmio Multishow gravita em torno do mainstream pop funk sertanejo, o Prêmio da Música Brasileira parece girar dentro do círculo da MPB. Por isso mesmo, o prêmio indica duplamente um rapper como Criolo na categoria Samba (a melhor cantor e a melhor álbum por conta do estupendo Espiral de ilusão) somente porque ele, Criolo, saiu momentaneamente do universo do hip hop para louvar as tradições de bambas como Martinho da Vila e Paulinho da Viola.

Dentro dessa lógica de valorização da MPB em todas as categorias, soam até coerentes a indicação de Amelinha ao prêmio de Melhor cantora na categoria Canção popular, por conta de disco dedicado ao cancioneiro de Belchior (1946 – 2017), e as de Mônica Salmaso a Melhor cantora e a Melhor álbum (Caipira) na categoria Regional com disco em que Salmaso procurou paradoxalmente ir além do universo regionalista da música rotulada como caipira.

Mônica Salmaso é indicada pelo álbum 'Caipira' (Foto: Divulgação / Paulo Rapoport)
Mônica Salmaso é indicada pelo álbum ‘Caipira’ (Foto: Divulgação / Paulo Rapoport)

Já tradicionais na premiação, as indicações de Alcione, Hamilton de Holanda e Yamandu Costa reforçam o conservadorismo do Prêmio da Música Brasileira, ainda que a Marrom seja excelente cantora e que os dois músicos sejam instrumentistas excepcionais.

Se a ideia é abranger a geleia geral da música brasileira, é hora de recompor o corpo de jurados para a 30ª edição para que outros olhares produzam uma lista de indicados menos previsível. Se a intenção for essa mesma, a de laurear a MPB, está tudo certo porque, de modo geral, as indicações são justas sob a ótica de quem louva a MPB e a tem como parâmetro único na avaliação de toda músicas produzida no Brasil.

Se o Grammy Awards é em essência a festa da indústria da música dos Estados Unidos, o Prêmio da Música Brasileira se confirma a festa de um clube formado por amigos e simpatizantes da MPB tão apreciada pelo empresário José Maurício Machline.

Flyer do 29º Prêmio da Música Brasileira (Foto: Reprodução / Facebook Prêmio da Música Brasileira )
Flyer do 29º Prêmio da Música Brasileira (Foto: Reprodução / Facebook Prêmio da Música Brasileira )

♪ Eis a lista de indicados ao 29ª edição do Prêmio da Música Brasileira:

Arranjador:

♪ Flávio Mendes pelo álbum Danilo Caymmi canta Tom Jobim, de Danilo Caymmi

♪ Mario Adnet pelo álbum Saudade maravilhosa, de Mario Adnet

♪ Mario Adnet pelo álbum Jobim, orquestra e convidados, de Paulo Jobim e Mario Adnet

Melhor Canção:

♪ As caravanas (Chico Buarque), com Chico Buarque

♪ Massarandupió (Chico Brown e Chico Buarque), com Chico Buarque

♪ Tua cantiga (Cristóvão Bastos e Chico Buarque), com Chico Buarque

Revelação:

♪ Almério

♪ Pedro Franco

♪ Tim Bernardes

Projeto visual:

♪ LAStudio pelo álbum Tribalistas, de Tribalistas

♪ Felipe Taborda pelo álbum Campos neutrais, de Vitor Ramil

♪ Flávia Pedras Soares pelo álbum Invento, de Zélia Duncan e Jaques Morelenbaum

CATEGORIA CANÇÃO POPULAR

Álbum:

♪ Angela Maria e as canções de Roberto e Erasmo, de Angela Maria

♪ BIXA, de As Bahias e A Cozinha Mineira

♪ Coração, de Johnny Hooker

Cantor:

♪ Leo Russo

♪ Roberto Carlos

♪ Tibério Azul

Cantora:

♪ Alcione

♪ Amelinha

♪ Angela Maria

Dupla:

♪ Chitãozinho & Xororó

♪ Lourenço & Lourival

♪ Zezé Di Camargo & Luciano

Grupo:

♪ As Bahias e A Cozinha Mineira

♪ Psirico

♪ Trio Parada Dura

CATEGORIAS ESPECIAIS

Álbum eletrônico:

♪ Frevotron, de Spok, Dj Dolores e Yuri Queiroga

♪ Sintetizamor, de João Donato e Donatinho

Álbum em língua estrangeira:

♪ Ay amor!, de Fabiana Cozza

♪ Lessons in love, de Indiana Nomma

♪ Walkin’ in white shoes, de David Kerr e Canastra Trio

Álbum erudito:

♪ Brahms, de Nelson Freire

♪ Heitor Villa-Lobos Sinfonias nº 8, 9 e 11, da OSESP

♪ Villa-Lobos – Quartetos e cordas, de Quarteto Bessler-Reis e Quarteto Amazônia

Álbum infantil:

♪ Deu bicho na casa, de Sula Kossatz

♪ Música de brinquedo 2, de Pato Fu

♪ Sem você não A’, de Tom Zé

Álbum projeto especial:

♪ O Auto do Reino do Sol, da Barca dos Corações Partidos

♪ Jobim, orquestra e convidados, de Paulo Jobim e Mario Adnet

♪ Tatanaguê, de Theo de Barros e Renato Braz

DVD

♪ Do tamanho certo para o meu sorriso ao vivo, de Fafá de Belém

♪ Histórias e canções, de Bibi Ferreira

♪ Jobim, orquestra e convidados’, de Paulo Jobim e Mario Adnet

Videoclipe

♪ Maracutaia, de Karol Conka, direção Brendo e Gonfiantini

♪ Culpa, do grupo O Terno, direção de Breno Moreira e Bruno Shintate

♪ A volta pra casa, de Rincon Sapiência, direção de Kill The Buddha

CATEGORIA INSTRUMENTAL

Álbum:

♪ Casa de Bituca, de Hamilton de Holanda Quinteto

♪ No mundo dos sons, de Hermeto Pascoal e Grupo

♪ Quebranto, de Yamandú Costa e Alessandro Penezzi

Grupo:

♪ Alessandro Kramer Quarteto

♪ Hamilton de Holanda Quinteto

♪ Hermeto Pascoal e Grupo

Solista:

♪ Hamilton de Holanda

♪ Hermeto Pascoal

♪ Yamandú Costa

CATEGORIA MPB

Álbum:

♪ Caravanas, de Chico Buarque

♪ Voz de mágoa, de Dori Caymmi

♪ Mano que zuera, de João Bosco

Cantor:

♪ Dori Caymmi

♪ João Bosco

♪ Zé Renato

Cantora:

♪ Joyce Moreno

♪ Zélia Duncan

♪ Zizi Possi

Grupo:

♪ Equale

♪ Ordinarius

♪ Quarteto do Rio

CATEGORIA POP / ROCK / REGGAE / HIPHOP / FUNK

Álbum:

♪ Acabou chorare – Novos Baianos se encontram’, de Novos Baianos,

♪ Estado de poesia ao vivo, de Chico César

♪ Estratosférica ao vivo, de Gal Costa

Cantor:

♪ Almério

♪ Chico César

♪ Lulu Santos

Cantora:

♪ Gal Costa

♪ Simone Mazzer

♪ Tulipa Ruiz

Grupo:

♪ Nação Zumbi

♪ Novos Baianos

♪ Tribalistas

CATEGORIA REGIONAL

Álbum:

♪ Caipira, de Mônica Salmaso

♪ É tempo de viver, de Mestrinho

♪ Terra dos sonhos, de Renato Teixeira e Orquestra do Estado do Mato Grosso

Cantor:

♪ Mestrinho

♪ Renato Teixeira

♪ Vitoru Kinjo

Cantora:

♪ Andrezza Formiga

♪ Lia Sophia

♪ Mônica Salmaso

Dupla:

♪ As Galvão

♪ Duo Balangulá

♪ Kleber Albuquerque e Rubi

Grupo:

♪ Quinteto Violado

♪ Sertanilia

♪ Trio Nordestino

CATEGORIA SAMBA

Álbum:

♪ Ao vivo no Bar Pirajá, de Moacyr Luz e Samba do Trabalhador

♪ Espiral de ilusão, de Criolo

♪ Munduê, de Diogo Nogueira

Cantor:

♪ Criolo

♪ Diogo Nogueira

♪ Thiago Miranda

Cantora:

♪ Ana Costa

♪ Leci Brandão

♪ Sandra Portella

Grupo:

♪ Épreta

♪ Moacyr Luz e Samba do Trabalhador

♪ Tempero Carioca