Britt Daniel fala ao G1 sobre disco com mais teclados e sintetizadores, lembra 1º Lolla deles nos EUA em 1995 e diz que banda manteve 'melancolia agressiva' após 20 anos.

Em 1995, quando o Lollapalooza ainda era um festival itinerante nos EUA, o iniciante Spoon tocou num palco pequeno do festival, e o vocalista Britt Daniel aproveitou para ver os outros shows. Era o auge do rock alternativo dos anos 90. Sonic Youth, Hole e Pavement “saíam do underground para o topo, e as portas se abriam para eles”, descreve Britt.

Vinte e três anos depois, o Spoon toca em palcos maiores, e em lugares distantes como do Lolla SP, e conseguiu uma carreira sólida mesmo em tempos menos propícios para o tal rock alternativo.

A banda que começou com um som parecido com aquelas do Lolla 1995, foi da “melancolia agressiva”, como descreve Britt, para um rock eletrônico “futurista” no disco mais recente, “Hot Thoughts” (2017). O resultado é um show com “mais drama, luz e sombra”.

G1 – O primeiro disco do Spoon, ‘Telephono’, tem 22 anos, e é muito diferente de ‘Hot Thoughts’. Às vezes parece outra banda. Mas você acha que o Spoon manteve algo desde esse disco até hoje?

Britt Daniel – É engraçado, porque eu ouvi este disco dois dias atrás. Escutei inteiro – há muito tempo não fazia isso. Há muita coisa ali que não reconheço mais na banda. Mas o que se mantém, eu definiria como uma melancolia agressiva. Isso já aparece no primeiro disco, principalmente na música “Cvzntez”. Tem uma tristeza e um espírito com o qual ainda me identifico.

G1 – E você acha que essa ‘melancolia agressiva’ se manteve?

Britt Daniel – Apareceu de tempos em tempos, sim. Claro que nós desenvolvemos outras sonoridades e climas. Mas essa é uma das coisas que eu sinto que, mesmo no primeiro disco, nós acertamos.

G1 – Vocês tocaram no Lollapalooza Chicago 2017, e depois do festival, foi revelado que o atirador que promoveu o massacre em Las Vegas tinha um quarto de hotel agendado em frente ao Lolla. Você leu sobre isso?

Britt Daniel – Eu ouvi falar sim, e não sei o que dizer. São tempos tristes, de várias maneiras. As coisas estão fora de controle. Massacres de atiradores assim não são rotina em outros países, e são no meu. Não me sinto bem com isso.

Spoon (Foto: Marcelo Brandt / G1)
Spoon (Foto: Marcelo Brandt / G1)

G1 – Li que você foi convidado para participar de um disco anti-Trump, e tentou escrever algo, mas não conseguiu. É difícil fazer críticas políticas sem ser óbvio?

Britt Daniel – É, foi duro. Acho difícil escrever sobre política diretamente. Preciso de um pouco mais de metáfora ou um ângulo diferente. Quando minha amiga Janet [Weiss, da banda Sleater-Kinney] me pediu a música, há um ano, eu estava prestes a lançar o nosso disco. Até tentei, mas não consegui achar uma pegada. Talvez algum dia.

G1 – Sobre ‘Hot thoughts’, é um disco mais dançante, mas não é óbvio. Tem sons e ideias diferentes. A música eletrônica dançante é mais popular que nunca nas paradas. Você se preocupou em não parecer que você estava se rendendo a esta onda?

Britt Daniel – Não estava preocupado com isso. Não pensei como um disco “dance”, mas quando as primeiras resenhas começaram a sair, eles chamavam de “dance rock”. Não foi o que eu planejei. Sobre a parte eletrônica, queríamos fazer um disco que não fosse rústico, à moda antiga. Queria algo futurista, usar muitos teclados, sintetizadores.

G1 – E como é levar este ‘futurismo’ para o palco?

Britt Daniel – Algumas músicas a gente ainda não consegue fazer. Tem essa coisa de que quando você faz um disco com muitos recursos de estúdio, depois você vai ter que descobrir como tocar. Dá um pouco de trabalho, mas a gente acaba descobrindo. E acho que estamos fazendo um show bem diferente hoje. Tem mais drama, mais luz e sombra. Não sei se é mais dançante.

G1 – No começo da década passada houve uma onda de bandas de rock alternativo, a última do gênero. Vocês foram associados a esta onda. Nunca foram um nome tão grande quanto Strokes, por exemplo, mas conseguiram se manter por mais tempo, com menos altos e baixos. Por que acha que isso aconteceu?

Britt Daniel – Não sei. Acho que tem a ver com a qualidade das músicas, dos discos, a ética de trabalho e a personalidade da banda?

G1 – O que quer dizer com personalidade?

Britt Daniel – O quanto você faz coisas verdadeiras. Coisas que atraem as pessoas para a sua música naturalmente. Às vezes você só consegue manter isso por um ou dois discos, depois desaparece. Nós achamos um jeito de manter isso por enquanto. Tem a ver com inspiração. Bruce Springsteen conseguiu isso, David Bowie também. É isso que buscamos, este tipo de inspiração.

G1 – Você já foi ao Lollapalooza como fã?

Britt Daniel – Não. Mas em 1995 o Spoon tocou em um palco pequeno, que chamavam de “palco local”. De certa maneira, eu me via como público. Aquele foi um bom ano. Tinha Sonic Youth, Beck, Hole, Pavement fechando um palco. Parece que todas as bandas com as quais me importava de repente tivessem saído do underground para o topo, que as portas se abriram para elas.

Meu show preferido naquele ano foi o do Sonic Youth. Tinham acabado de lançar o disco “Washing Machine”, que eu gosto muito. Acho que o Pavement foi legal também, mas eles são daquele jeito: não fazem um show, só tocam as músicas (risos