Nunca o vermelho sobressalente no cenário e no figurino – criado pela estilista Gilda Midani para Maria Bethânia vestir na turnê do show Claros breus – fez tanto sentido como na volta do espetáculo à cidade do Rio de Janeiro (RJ) na noite de quarta-feira, 4 de dezembro.

Era dia de Iansã, orixá que simboliza Santa Bárbara na mitologia afro-brasileira do Candomblé. Devota da senhora das nuvens de chumbo, a cantora baiana improvisou saudações ao orixá feminino, cantando trechos a capella de Iansã (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1972) – música que lançou há 47 anos no álbum Drama (1972) – e de recente samba do repertório de Arlindo Cruz também intitulado Iansã (2017) e gravado pelo sambista há dois anos com o filho Arlindo Neto, parceiro de Acyr Marques na composição.

Gritos de “Eparrei!” foram ouvidos na plateia da casa KM de Vantagens Hall nesses dois números e no solo do percussionista Luizinho do Jejê, mestre dos tambores.

Na reestreia carioca de Claros breus, show idealizado para a cantora reviver os tempos em que se apresentava em boates na noite carioca dos anos 1960, Bethânia exibiu lampejos da luminosidade da temporada de estreia no clube Manouche enquanto saudou Iansã.

Foi nessa charmosa casa carioca com clima de cabaré e atmosfera íntima de boate que a artista acendeu Claros breus em quatro concorridas apresentações feitas nas quintas-feiras de julho para público de 100 pessoas.

Maria Bethânia e o pianista Marcelo Galter na reestreia carioca do show 'Claros breus' na noite de 4 de dezembro — Foto: Mauro Ferreira / G1
Maria Bethânia e o pianista Marcelo Galter na reestreia carioca do show ‘Claros breus’ na noite de 4 de dezembro — Foto: Mauro Ferreira / G1

Ao ser transposto para grandes casas, a partir de agosto, o show teve o roteiro progressivamente alterado para a inclusão de sucessos mais facilmente digeríveis pelo público.

Na apresentação de 4 de dezembro, vista por Caetano Veloso, Bethânia tirou músicas como O universo na cabeça do alfinete (Lenine e Lula Queiroga, 2015), Juntar o que sentir (Renato Teixeira, 2001), Gota de sangue (Angela Ro Ro, 1979) e Bar da noite (Bidu Reis e Haroldo Barbosa, 1953) – ausências sentidas pela (pequena) parcela mais atenta e exigente do público.

Em contrapartida, a cantora manteve os sucessos adicionados ao roteiro em apresentações anteriores, acrescentando ainda Se todos fossem iguais a você (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1956) e Bandeira branca (Max Nunes e Laércio Caldas, 1970), hit carnavalesco da cantora Dalva de Oliveira (1917 – 1972), do qual Bethânia cantou somente breve trecho a capella.

Entre acréscimos e retiradas, o saldo foi positivo, sobretudo quando a cantora entoou Músicas, música (Roque Ferreira, 2019) com a mesma intensa luminosidade da temporada inicial de Claros breus no Manouche.