Disco será lançado amanhã, dia do 78º aniversário do 'Rei'.

É estupendo o começo do disco em que Nando Reis canta 12 músicas do repertório de Roberto Carlos. Alocada na abertura do álbum Não sou nenhum Roberto, mas às vezes chego perto, a canção Alô é um dos achados do surpreendente repertório deste disco que será lançado amanhã, 19 de abril, dia do 78º aniversário do Rei.

Lançada em 1994, Alô é a última grande canção da parceria de Roberto com Erasmo Carlos. Foi apresentada sem a merecida louvação porque, na época, Roberto já perdia prestígio entre os formadores de opinião porque vinha priorizando sequencialmente músicas mais populistas em repertório que soava cada vez menos sedutor no confronto com as canções de tempos áureos.

Nando Reis reconstitui a magnitude dessa composição de 1994 com interpretação precisa e um arranjo de sopros que evocam a moldura orquestral que envolveu o cancioneiro de Roberto a partir dos anos 1970.

Na sequência, vem outro momento lindo do álbum gravado pelo cantor paulistano com produção de Pupillo Oliveira e direção artística de Marcus Preto. De tanto amor (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1971) reaparece em arranjo de arquitetura delicada que sublinha o tom tristonho da canção lançada na voz de Claudette Soares.

Capa do álbum 'Não sou nenhum Roberto, mas às vezes chego perto', de Nando Reis — Foto: Jorge Bispo
Capa do álbum ‘Não sou nenhum Roberto, mas às vezes chego perto’, de Nando Reis — Foto: Jorge Bispo

Essas duas faixas iniciais sinalizam um grande álbum, mesmo gravado no limite do cover, como já sinalizara em março o single com a reverente abordagem da canção Amada amante (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1971), cuja única subversão reside na ressignificação da letra com romantismo que exclui o prazer proibido da traição, mote original da canção.

Só que nem sempre Nando Reis chega perto das emoções das canções. Outro achado do repertório, a canção Me conte a sua história (Maurício Duboc e Carlos Colla, 1979) é envolta em atmosfera musical mais contemporânea que dilui o sentimento da letra no canto de Nando.

Nem a declamação de sentimental texto autoral – em ação feita para evocar Isaac Heyes (1942 – 2008), mas que lembra mais as intervenções poéticas e literárias de Arnaldo Antunes, ex-Titãs mais talhado para o gênero – consegue criar emoção real.

Em Abandono (Ivor Lancellotti, 1974), música propagada por Roberto em 1979, cinco anos após a gravação original de Eliana Pittman, o arranjo parece contrariar o estado de desordem emocional da personagem da canção. Em Abandono, a interpretação sem sentimento de Nando mostra o abismo que às vezes distancia Roberto Carlos – grande cantor que sempre entendeu o sentido de cada música que canta – de intérpretes que arriscam dar voz ao cancioneiro do Rei.

Nando Reis acerta o tom de canções como 'Alô' e 'Vivendo por viver' — Foto: Jorge Bispo / Divulgação\
Nando Reis acerta o tom de canções como ‘Alô’ e ‘Vivendo por viver’ — Foto: Jorge Bispo / Divulgação

Nando retoma o pulso das canções em Vivendo por viver (Marcio Greyck e Cobel, 1978), outra pérola rara que jazia no fundo do coração dos que ouviam os discos de Roberto nos anos 1970, década em que foram lançadas oito das 12 músicas do tributo de Reis ao Rei (ou 12, se postas na conta as duas músicas de 1980).

Em faixa conduzida pela levada do violão, Nando acerta o tom abatido do amante confuso retratado nessa música. O toque triste de um violino sublinha no refrão a melancolia da letra.

Em outra vitoriosa incursão por canções da lavra alheia de Roberto, mas gravadas pelo Rei como se fossem dele, Nando também recorre (inicialmente) ao violão para expressar a tristeza causada pela desilusão exposta em Nosso amor (Mauro Motta e Eduardo Ribeiro, 1977).

Com evocação e citação de Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971), Nosso amor é encorpada no terceiro dos quase cinco minutos da faixa, ganhando a pegada da banda que inclui o produtor Pupillo na bateria e Lucas Martins no baixo, entre outros músicos.

Na sequência, Todos estão surdos (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1971) sai da esfera privada do amor a dois para suplicar por outra mensagem de Jesus em tom humanista, em linha black roqueira que emula inclusive o coro da gravação original de Roberto.

Roberto Carlos é celebrado por Nando Reis em disco que termina com faixa declamada por Jorge Mautner — Foto: Reprodução / Instagram Nando Reis
Roberto Carlos é celebrado por Nando Reis em disco que termina com faixa declamada por Jorge Mautner — Foto: Reprodução / Instagram Nando Reis

Nessa vertente religiosa, Nossa Senhora (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1993) soa sem sentido sem a letra da emocionante canção que louva a Virgem Maria. Ateu, o compositor de Igreja (Nando Reis, 1986) – petardo disparado pelos Titãs em álbum de aura punk – se converteu somente à beleza da melodia, vocalizando a letra com intermináveis “nana nana nana” no passo de valsa.

Você em minha vida (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976) reconduz o álbum ao universo romântico da maior parte do repertório, reiterando que às vezes Nando é essencialmente conservador como intérprete devoto das canções de Roberto, ainda que o arranjo (no caso da faixa, a orquestração das cordas) soe inusitado.

Com exatos seis minutos, Procura-se (Roberto Carlos e Ronaldo Bôscoli, 1980) – lembrança de momentos sensuais ao lado da mulher amada – é mais um achado de repertório que merece ser louvado por se desviar dos standards já batidos do cantor. O arranjo é inventivo, moderno.

Com mais de seis minutos, A guerra dos meninos (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1980) tem o tom épico potencializado na declamação da letra humanista por Jorge Mautner. A voz de Nando Reis entra somente no coro que, na gravação original de Roberto, reunia vozes de crianças.

Momento de estranheza no fecho de disco oscilante, A guerra dos meninos corrobora que Nando não é mesmo nenhum Roberto como cantor, embora seja um compositor de (muitas) músicas extraordinárias.

Mesmo que Nando Reis nem sempre chegue perto de Roberto Carlos, o álbum tem alguns momentos realmente lindos que valorizam tributo pautado mais pela afetividade do que pela razão. (Cotação: * * *)