Na primeira metade da década de 1980, Brasília (DF) era uma das capitais do rock que despontava no horizonte mercadológico do Brasil. Bandas como Legião Urbana (criada em 1982 a partir da implosão do Aborto Elétrico nesse mesmo ano), Plebe Rude e Capital Inicial, entre outras, agitavam uma cena que abarcava também o trio carioca Paralamas do Sucesso e que reverberava ecos do punk que explodira na Inglaterra nos anos 1970.

Quando as principais bandas brasilienses migraram progressivamente para o eixo Rio-São Paulo, a cena da cidade perdeu visibilidade na mídia, mas continuou viva ao longo da década de 1990, gerando bandas como Raimundos.

Foi aí que, para manter a chama acesa, entrou decisivamente em cena, a partir de 1998, o festival Porão do Rock, sonho que virou realidade nas mãos dos irmãos Gustavo Sá, Raul Sá e Luiz Carlos Sá, o Alf. Se Gustavo foi desde sempre o motor que manteve a máquina do Porão do Rock em funcionamento ao longo de 20 anos, com o suporte de Raul, Alf foi o músico que tinha trânsito na cena brasiliense, abrindo pontes e caminhos para Gustavo na formação do elenco das edições iniciais.

Toda a saga do festival está contada no livro Histórias do Porão – A história dos 20 anos do festival Porão do Rock (Ilustre Editora), escrito por Pedro de Luna, autor da excelente (mas controvertida) recém-lançada biografia da banda carioca Planet Hemp.

Fartamente ilustrado e editado com capa dura, Histórias do Porão roça o formato de livro de arte. São tantas fotos que as imagens também contam a história do festival entre 1998 e 2017, legitimando o que Pedro de Luna narra nos textos.

Após breve introdução sobre a cena de Brasília e os caminhos que levaram Gustavo Sá à criação e produção do festival, o autor dedica um capítulo à cada edição do evento.

Capa do livro 'Histórias do Porão - A história dos 20 anos do festival Porão do Rock' — Foto: Divulgação
Capa do livro ‘Histórias do Porão – A história dos 20 anos do festival Porão do Rock’ — Foto: Divulgação

São nos textos que estão as saborosas histórias de bastidores, como egotrips de bandas nos camarins, problemas técnicos provocados por falhas humanas ou por caprichos da natureza (como o temporal que desabou em 25 de novembro de 2017, prejudicando a 20ª edição do Porão do Rock), obstáculos para viabilizar cada edição por conta de falta de dinheiro e de patrocinadores refratários (sobretudo em anos de eleições e Copa do Mundo) e tensões provocadas no contato com jornalistas (como a repórter que estava mais interessada em tietar Rogério Flausino do que cobrir efetivamente a edição de 2014 em que o festival, até então realmente dominado pelo rock, abriu brechas na programação para bandas de som mais pop como o Jota Quest).

Padronizados, os relatos sobre cada edição também acabam traçando perfil do panorama cultural do Brasil ao longo dos 20 anos cobertos pela narrativa. Se em 2011 o Porão do Rock já estava consolidado como um dos maiores festivais do Brasil inclusive em termos quantitativos, apresentando 43 atrações em três palcos ao longo de dois dias, na magra edição de 2017 o festival tinha diminuído, retomando as origens mais modestas por conta da crise econômica.

O fato é que, se o Porão do Rock se ergueu nos primeiros anos graças sobretudo ao heroísmo idealista de Gustavo Sá, a persistência e a credibilidade adquirida pelo produtor acabaram atraindo grandes marcas e artistas para o evento.

Pitty, por exemplo, sempre ambicionou uma apresentação no festival e, mesmo depois de consolidar a carreira, nunca desdenhou o Porão do Rock. Até porque, justiça seja feita, como conta Pedro de Luna, o festival se tornou grife nos currículos dos artistas, sobretudo das bandas iniciantes da região.

As seletivas, espécie de vestibular feito pelos grupos para se candidatar a uma vaga no festival, sempre foram concorridas e, por elas, passaram bandas como a então emergente Scalene. Enfim, são muitas as histórias sobre os 20 anos do Porão do Rock.

O livro de Pedro de Luna documenta a saga e lira dos 20 anos de um festival que, ao longo de duas décadas, apresentou nada menos do que 458 artistas diferentes, sendo 237 do Distrito Federal, 186 de outros 17 estados do Brasil e 35 atrações internacionais, fazendo com que Brasília (DF) nunca deixasse de ser uma das capitais do rock do Brasil. (Cotação: * * * *)

♪ Aviso aos navegantes cariocas: o livro Histórias do Porão – A história dos 20 anos do festival Porão do Rock será lançado na próxima quinta-feira, 14 de fevereiro, na Smoke Lounge, na Tijuca, com bate papo e sessão de autógrafos com as presenças do autor Pedro de Luna e do produtor Gustavo Sá. Na sequência, haverá show com as bandas Canto Cego e Punching Namar.