Nunca o nome de Fabiana Cozza esteve tão no centro das atenções como nesta última semana. É coisa de pele, como diz o título do samba de Jorge Aragão e Acyr Marques lançado em 1986. O convite para a cantora paulistana interpretar a sambista carioca Dona Ivone Lara (1922 – 2018) em musical de teatro gerou polêmica em torno da legitimidade de Cozza para dar vida e voz a Ivone pelo fato de ela, Cozza, ser negra de pele (bem) mais clara do que a de Ivone.

A complexa questão que levou a artista no domingo, 3 de junho, a renunciar ao convite feito pela produção do espetáculo Dona Ivone Lara – Um sorriso negro – O musical fez com que o nome da cantora fosse comentado por muita gente que nem sabia até então quem é Cozza. Pois, para quem (ainda) não sabe, Fabiana Cozza – em foto de Kris Knack – é uma das melhores cantoras projetadas no Brasil deste século XXI.

Aos 42 anos de vida, completados em janeiro deste ano de 2018, a cantora já contabiliza duas décadas de carreira musical, tomando-se como marco zero o convite de Eduardo Gudin para Cozza participar da gravação do álbum Notícias dum Brasil – Pra Tirar o Chapéu, lançado em 1998. Naquela ocasião, Cozza já tinha sido ouvida por um público mais antenado nas noites em que cantava de forma semi-profissional no Ó do Borogodó, bar situado no bairro paulistano de Pinheiros.

Fabiana Cozza  em 2011 (Foto: Divulgação / Fernanda Grigolin)
Fabiana Cozza em 2011 (Foto: Divulgação / Fernanda Grigolin)

Jornalista formada por universidade da cidade natal de São Paulo (SP), Cozza chegou a atuar nessa profissão, mas logo a música – em especial, o samba – falou mais alto. Samba que, no caso de Cozza, é herança de família, pois o pai da artista, Osvaldo dos Santos, é compositor e puxador de samba da escola Camisa Verde e Branco, uma das tradicionais agremiações do Carnaval paulistano. Não por acaso, a cantora batizou o primeiro álbum – O samba é meu dom, lançado em 2004 – com o nome do samba de 1996 en que os compositores Wilson das Neves (1936 – 2017) e Paulo César Pinheiro elencam e celebram a dinastia nobre do gênero.

Nesse disco inicial, Cozza deu voz a sambas de bambas de São Paulo como o tradicional Geraldo Filme (1928 – 1995) e o contemporâneo Rodrigo Campos. Ao longo dos anos e dos discos, Cozza ganhou o respeito dessa dinastia, transitando entre os sambas de São Paulo e do Rio, tendo pisado com mais firmeza no terreiro carioca no terceiro álbum, Fabiana Cozza (2011), embora já tivesse até cantado com Ivone Lara no segundo disco, Quando o céu clarear (2007).

Sempre valorizando as tradições afro-brasileiras, Cozza celebrou o legado da cantora mineira Clara Nunes (1942 – 1983) no CD e DVD Canto sagrado – lançados em 2013 com registro de show estreado em 2012 – e entrou na roda da Bahia no quinto álbum da discografia, Partir (2015), produzido por Swami Jr. e lançado há três anos.

Sucedido no ano passado pelo disco Ay amor! (Biscoito Fino, 2017), preciso registro de estúdio de show dedicado ao repertório do cantor e compositor cubano Bola de Nieve (1884 – 1951), Partir é álbum sublime que entronizou definitivamente Fabiana Cozza no panteão das grandes cantoras do Brasil. Que a triste polêmica em torno da legitimidade da artista para ser Ivone Lara no teatro sirva, ao menos, para amplificar o alcance dessa voz que tem o dom do canto e do samba!