Em entrevista ao G1, o ator de 42 anos comenta a morte do personagem e do próximo projeto, o filme 'Ó Paí, Ó 2'.

Ele pensou que ia morrer. E morreu. Remy, vilão da novela “Segundo Sol”, nos deixou nesta semana. Mas nas redes sociais, sempre elas, existem teorias que garantem: é só mais uma armação do mauzão interpretado por Vladimir Brichta.

Em entrevista ao G1, o ator de 42 anos comenta a morte do personagem. Ele também fala da “bad vibe” que era interpretar Remy, da parceria com a mulher Adriana Esteves na dramaturgia (e fora dela há quase 15 anos) e do próximo projeto, o filme “Ó Paí, Ó 2”, previsto para 2019.

G1 – Remy sofreu uma transformação profunda na novela. Você falou que fez isso por causa da morte, mas essa mudança foi planejada desde o começo?

Vladimir Brichta – Foi em função principalmente da morte, sim. Não foi algo conversado com o autor. Não tenho hábito de conversar com autores. Foi uma coisa que acabava vindo no texto. Foi conversado com os diretores para que a gente aproveitasse toda oportunidade que o texto desse da gente transformar em um personagem mais desagradável, violento, cruel, irresponsável para que justificasse uma morte que a gente sabia que viria…

Foi algo pensado, uma condução feita por várias cabeças. Foi algo coletivo para que ele ganhasse um caminho que justificasse a morte para que não fosse gratuito, para que não fosse somente vítima… Para que ele acabasse um pouco responsável, por ter ultrapassado os limites e afrontado muita gente.

G1 – Você já falou sobre como esse capítulo é especial para você por ser sua primeira morte. Quais outras coisas que você gostaria de fazer como ator mas não teve oportunidade?

Vladimir Brichta – De fato, não só foi especial por ser um personagem que morreu, mas que ele não fosse tão vítima, ele se encaixa nos arquétipos de um vilão. Ele é um cara que provoca, um cara imoral. Ele é ambicioso, mesquinho. Isso foi uma novidade. Eu não sou uma pessoa que planeja muito, que persegue um tipo de trabalho ou de personagem.

E tenho feito escolhas que me são interessantes, me desafiam… Mas não tenho um objetivo claro. O que eu sei é que fico um pouco distante de algum tipo de gênero ou de linguagem e sinto falta. Eu passo um tempo distante de algo mais realista e fico com vontade de fazer… Às vezes fico um tempo sem humor e volto a ter vontade.

Se eu tiver lendo sobre futuro, tecnologia… Eu vou me interessar… Eventualmente, a questão da paternidade, por eu estar vivendo determinados conflitos, faz eu me interessar por uma história. Mas não posso dizer que exista um personagem que eu busque neste momento.

G1 – Confesso que ver as coisas que ele fez mexeram comigo. Como é pra você, que tem que interpretar isso num trabalho tão longo? Porque eu imagino que há uma diferença entre o prazo de um filme ou de uma peça, já que na novela o personagem tem essa oportunidade de mudar muito. Me pergunto se isso não mexe mais com o ator…

Vladimir Brichta – Uma novela, por ser um projeto longo, acaba mobilizando a gente. Obriga a pensar sobre assuntos e acaba remoendo as questões. Isso afeta de alguma forma. O passar do tempo e a experiência nos ajudam a distanciar. O grande exercício do ator não é tentar estar imerso num clima de um personagem, em um tema. O trabalho é frequentar aquele lugar enquanto trabalha e o exercício é se libertar, se afastar do clima… Com o passar do tempo, a gente consegue.

“Seria nocivo para minha saúde se eu vivesse 24 horas com o Remy, com essa energia, com essa coisa egoísta, invejosa, competitiva, frustrada… Carregar isso seria cansativo. Mas é bom também frenquentar esses lugares no trabalho e depois me libertar, esquecer. E eu acho que eu consigo, não me sinto muito afetado.”

Mas acontece também de ler determinados roteiros para filmes, um período mais curto, e tem coisas que vejo que tenho dificuldade de me aproximar. Por excesso de violência, que não é física, mas é difícil abordar. Não dá para dizer que tudo é possível: a gente com o passar do tempo vai entendendo que alguns limites a gente tem, que algumas coisas parecem sofridas em excesso e não valem a pena.

Cena da morte de Remy (Vladimir Brichta) em 'Segundo Sol' — Foto: Reprodução/TV Globo
Cena da morte de Remy (Vladimir Brichta) em ‘Segundo Sol’ — Foto: Reprodução/TV Globo

G1 – Você continua ligado à novela mesmo após a morte, o que contribui para teorias de que Remy não morreu. Como você lida com essas reações do público? É divertido?

Vladimir Brichta – De fato, não estou desconectado da novela, agora eu fico de “stand-by” para gravar alguma coisa referente a flashback, alguma cena de memória, não sei… Acho que o principal motivo da teoria de que não morreu é que o público gosta, apesar de ter muita bronca do Remy, não dá para defender as canalhices dele, mas o público gosta de acompanhar essa figura…

Ele é um personagem que carrega um certo carisma, tem algo de perdedor, é um pouco “loser” e isso gera um tipo de empatia com essa figura que perde sempre. O público gosta de odiá-lo.

“Como é novela, existe torcida para que tenha uma reviravolta. Mas acho que neste caso é difícil: ele morreu ensaguentado, depois ele foi velado e depois cremado. Fica difícil juntar as pecinhas agora”, diz o ator, rindo.

G1 – Sei que você nasceu em Minas, mas é baiano por ter ido cedo morar lá. Como um baiano autêntico, como avalia o sotaque dos seus colegas na novela?

Vladimir Brichta – O que posso dizer em relação ao sotaque é que temos uma novela mais moderna e mais comprometida com a realidade. Acho que os sotaques são muito bons, sim. Uma novidade é que a primeira novela que se passa na Bahia contemporânea e urbana.

A gente todas as vezes que fez novela na Bahia se conectava muito à obra e ao imaginário que o Jorge Amado acabou deixando. É uma Bahia um pouco amaciada, um pouco pitoresca e os sotaques surgiam dessa forma, não condiziam muito com a realidade.

Adriana Esteves e Vladimir Brichta estrelam a campanha da Ação Global 2017 — Foto: TV Globo/Raquel Cunha
Adriana Esteves e Vladimir Brichta estrelam a campanha da Ação Global 2017 — Foto: TV Globo/Raquel Cunha

G1 – Você disse que atuar com Adriana foi como o começo do relacionamento, já que se conheceram em uma novela. Você pode falar um pouco mais sobre isso? E comentar a química entre ela, Letícia e Deborah (para mim, um dos pontos altos da novela)?

Vladimir Brichta – Trabalhar com ela, de fato, é um reencontro maravilhoso. Havia uma expectativa nossa de como seria uma vez que a gente tem muita intimidade pessoal e a profissional acabou ficando em segundo lugar, o quanto da intimidade ajudaria ou atrapalharia. Mas isso não acontece, a gente reconectou, reafirmou o que havia visto lá atrás.

A gente pensa o trabalho de forma parecida. É um prazer trabalhar com ela e o público acaba percebendo isso. E sim, vejo a Dri em uma conexão muito especial com Letícia (Colin), com Deborah (Secco), com Chay (Suede)…

Ela consegue isso com muita frenquência. É notório como ela é uma grande fazedora de parcerias. É impossível pensar nela em “Avenida Brasil” e não pensar nela com Murilo (Benício), com Debora (Falabella), com o Marcelo (Novaes)… Ela entra para jogar junto.

G1 – E após o fim das gravações, quais os teus projetos? Alguma coisa além de ‘Ó Paí, Ó 2’? É bom voltar a trabalhar com Lazaro?

Vladimir Brichta – Lazinho é um dos atores mais incríveis que já vi em cena… Eu sou muito fã, acho brilhante. Claro que voltar a trabalhar com ele é um prazerzaço. É um dos estímulos que me fazem estar ali. O projeto pensado e batalhado por Monique Gardenberg (cineasta) é de uma relevância tão grande…

O Bando de Teatro Olodum é de uma importância tremenda. E o “Ó Paí, Ó” faz uma deferência à criação e relevância desse grupo para o teatro brasileiro. Hoje a gente vê outros grupos onde atores negros acabam conseguindo desenvolver uma dramaturgia, uma linguagem…

O bando tem isso há mais de 20 anos. Eu poder participar disso me honra profundamente. No ano que vem, é bem provável que eu faça uma série na Globo, mas a medida que as coisas forem se formatando eu dou mais detalhes.

G1 – Pra finalizar, uma dúvida pessoal: você pensa em algum dia ir para o outro lado das câmeras, como diretor ou roteirista? Não achei créditos teus nesses cargos…

Vladimir Brichta – Sim, até hoje se você não achou meu nome é porque de fato nunca fui. [Risos] Mas passa pela minha cabeça, sim. Penso em dirigir e não descartar, mas não tenho uma ânsia, só uma curiosidade. Já fui produtor e já tive mais próximo da concepção de um projeto e me agradou a ideia de conceber artisticamente.

Falo de teatro, que está no meu foco e não acho que seja só um ator. Quando eu estou trabalhando, me sinto um pouco diretor e roteirista, mas respeitando sempre os profissionais. Sinto que minha parceria é também nesses lugares.