Cantor fala de carreira solo e comenta protestos contra racismo: 'É uma questão de urgência, por isso antirracismo não é um modismo'. Ele lança EP e faz live com Netinho.

Salgadinho cuida de planta durante a quarentena e em foto de antes da pandemia, ao lado de Ronaldinho Gaúcho, com quem compôs sambas pelo Zoom em junho — Foto: Acervo Pessoal
Salgadinho cuida de planta durante a quarentena e em foto de antes da pandemia, ao lado de Ronaldinho Gaúcho, com quem compôs sambas pelo Zoom em junho — Foto: Acervo Pessoal

Parecia mais um dia tranquilo de quarentena em sua casa na Serra da Cantareira, em São Paulo, quando o celular de Salgadinho tocou. O pagodeiro havia passado parte do tempo cuidando das plantas no jardim, mas a noite seria muito mais aleatória.

“Aí era o Ronaldinho, né? Foi muito engraçado. ‘E aí, Ronaldinho, beleza?’ Ele disse: ‘É, tô aqui no Paraguai, né? Vira e mexe faço música com esses malucos aí, só pra gente ficar trocando ideia’. Saíram três super sambas bons”, conta Salgadinho ao G1, descrevendo uma espécie de roda de samba por videoconferência.

Na entrevista abaixo, o ex-vocalista do Katinguelê falou da parceria com o ex-craque, em prisão domiciliar após usar documentos adulterados.

O simpático cantor de 50 anos também comentou a “volta” do pagode com ajuda das lives e os protestos antirracistas pelo mundo. “O Brasil tem as suas demandas em relação ao racismo estrutural e são demandas urgentes.”

Conhecido por sucessos como “Inaraí” e “Engraçadinha”, ele falou ainda da carreira solo, mas cheia de companhias. Após turnê com ex-integrantes do Art Popular e do Exaltasamba, Salgadinho lança o EP “Salgadinho Experience”, nesta sexta-feira. Para o domingo, prepara uma live com Netinho de Paula.

G1 – O pagode vem demonstrando força com as lives. Ele superou o funk e o pop, ficou só atrás do sertanejo somando todas as lives do estilo. Isso te surpreendeu?

Salgadinho – Eu vi esses gráficos. Eu trabalho muito, faço muito show, apesar de não estar na mídia convencional. Eu sei que não temos o apelo do sertanejo, mas o apelo do samba é grande. O samba e o pagode ainda mexem muito com o emocional das pessoas. Eu fiquei surpreso, sim, vendo esses gráficos. Vendo como pop e o funk não conseguiram o mesmo destaque que eles sempre têm na internet, se comparado ao pagode.

G1 – Por que será que isso que acontece com as lives, com a nostalgia que vem com a quarentena, e não acontece em outros meses. Eu sei que o pagode segue bem vivo, sua agenda está cheia, mas por que não vai tão bem no YouTube e no streaming?

Salgadinho – No meu entender, hoje estão pintando uns caras mais jovens, como Dilsinho e Ferrugem. Mas esses caras também não são tão jovens assim. A cultura de trabalhar o digital é dos profissionais da nova geração, de quem é do pop, funk. A molecada é bem mais jovem, é o universo deles. É uma área que você monetiza, você investe e o retorno vem. Não é uma cultura presente pra gente, na nossa forma de trabalhar. Eu me adaptei, minha empresa vem se adaptando a isso. Os gráficos mostram que a gente tem público. É um público mais velho, alguns outros a gente pega por osmose…

G1 – Você recentemente fez 50 anos. O que teve que deixar de fazer agora que é cinquentão? Teve que fazer algo ou deixar de fazer algo para seguir cantando bem?

Salgadinho – Eu sou uma pessoa muito feliz, não paro para pensar nessa coisa [de idade]. Às vezes, eu penso: rapaz, estou com 50 anos. Eu não me sinto com essa idade. Eu treino pra caramba. Eu corro, faço musculação. Jogando futebol, eu rompi o tendão de aquiles. Então, agora eu faço treino e não parei mais. A disciplina é importante. Se você não encarar, você não vai. Eu me sinto realizado com a história que eu pude construir, da minha origem até hoje. Eu sou um cara que mantém os amigos e a música me deu tantos fãs…

Salgadinho durante show — Foto: Divulgação/Léo Franco
Salgadinho durante show — Foto: Divulgação/Léo Franco

G1 – Como está a saudade de fazer show?

Salgadinho – A gente está quase desempregado, né? Mas eu adoro ficar em casa, tanto quanto gosto de cantar. Estou em casa, fazendo música pra caramba com vários parceiros, como o Xande de Pilates. Até com o Ronaldinho Gaúcho fiz música. Na questão do ganho, não entra dinheiro, só sai. A gente [músicos] tem que se organizar.

Temos que fazer lives para arrecadar alimentos. A primeira conseguimos nove toneladas. Tem muita gente precisando, que trabalha no backstage… O trabalhador comum de qualquer área não tem cobertura do estado, imagina quem não é reconhecido oficialmente como trabalhador. Tudo que arrecadamos foi distribuído para a Ordem dos Músicos e para igrejas evangélicas, centros espíritas e casas de umbanda.

G1 – E como foi esse rolê aleatório com o Ronaldinho Gaúcho?

Salgadinho – Então, eu estava aqui em casa, né? Eu tenho um amigo em comum, um parceiro, do grupo Doce Encontro. Ele é supertalentoso e o Ronaldinho gosta muito do trabalho do Eder [Miguel, sambista] e eu também gosto.

Daí devia ser umas 10 da noite… E ele chegou para mim e disse: “Ô Salgado! Vou colocar uma pessoa aqui na chamada que gosta muito de você”. Aí era o Ronaldinho, né? Foi muito engraçado. “E aí, Ronaldinho, beleza?” Ele disse: “É, tô aqui no Paraguai, né? Vira e mexe faço música com esses malucos aí, só pra gente ficar trocando ideia”. Saíram três super sambas bons… E a gente foi conversando, se divertindo.

G1 – Ele tem ritmo… E até que é afinadinho, né?

Salgadinho – Ele é muito inteligente de ideias pras letras. Ele gosta muito de samba… Outro dia mesmo eu ouvi o Robinho tocando cavaquinho. E eu que dei o cavaquinho pro Robinho. Os caras gostam muito de samba mesmo…

G1 – Sim, sim. Mas esse papo com o Ronaldinho faz tempo?

Salgadinho – Deve ter um mês que isso aconteceu. Esses dias, apesar de ele estar no Paraguai por aquela situação que aconteceu que todo mundo sabe com ele. A figura dele, pra mim, é muito apaixonante.

Salgadinho com camisa que homenageia a música 'Inaraí', do Katinguelê — Foto: Divulgação/Léo Franco
Salgadinho com camisa que homenageia a música ‘Inaraí’, do Katinguelê — Foto: Divulgação/Léo Franco

Independente dos posicionamentos dele, e da vida dele, ele é carismático. É um cara que tem uma origem… Quando eu fui para Porto Alegre, eu fiz um show em uma escola de samba lá. Bem depois ele me falou: “Salgado, lembra aquela noite que vocês fizeram o show na escola de samba”. O grupo [Katinguelê] não era nem famoso. A gente tinha gravado um disco e foi se aventurar lá.

Aí teve uma briga lá, porque um cara do grupo se engraçou e ficou com a menina. Deu uns beijos e tal. Aí a gente falou: “Mano, você é maluco? Quando a gente viaja não pode fazer essas coisas! A gente é forasteiro, a gente não sabe quem ela namora”. Daqui a pouco, deu uma confusão, uma briga danada. Daí o Ronaldinho lembrava, ele me falou depois. “Pô, eu tava lá! Eu era moleque, jogava na base do Grêmio”. [risos] Eu não acredito. É um cara de origem humilde. Ele dá muito valor para os amigos antigos. Eu admiro muito isso nas pessoas.

G1 – Você pretende fazer shows em drive-in? O que acha desse formato?

Salgadinho – A gente tem umas coisas alinhadas para fazer drive-in. É uma coisa diferente. Em vez de aplauso, é buzina, né? No período de pandemia, mesmo com a galera não cumprindo o que a OMS determinou, não sei se a ideia pode vingar, porque está morrendo gente pra caramba e estamos ignorando isso.

“Está no auge de uma pandemia, não dá para pensar em ganhar dinheiro. A preocupação maior é preservar as pessoas, mesmo sendo necessário trabalhar.”

G1 – Como tem sido a sua quarentena?

Salgadinho – Tenho cuidado das plantas que eu tenho em casa. Tenho um quintal cheio de pés de frutas. Tinha algumas árvores que caíram os galhos, porque venta muito. Estou secando e fazendo lenha com os galhos que caíram. Moro aqui com minha esposa e o filho. Ele vai começar o primeiro ano de Direito na PUC. O mais velho já se formou, mora fora… Já estou para ter neto, já.

G1 – Mundo de assunto. O antirracismo entrou ainda mais na pauta, primeiro nos Estados Unidos com a morte do George Floyd, depois no Brasil. Como você vê o racismo no Brasil? Qual sua opinião sobre, mesmo com tudo o que acontece por aqui, as ações no Brasil serem ainda, de alguma forma, ligadas ao barulho de movimentos americanos, como o Black Lives Matter?

O Brasil tem as suas demandas em relação ao racismo estrutural e são demandas urgentes, mas assim como em todo mundo os acontecimentos nos Estados Unidos estão sempre no radar por ser uma das maiores potências econômicas e bélicas. Temos os protestos e passeatas em todo o mundo quase sempre caminhando junto com pessoas que estão protestando.

Existem aqueles que colocam seus corpos muitas vezes como escudo para que os manifestantes sejam protegidos das brutalidades do estado através da polícia. Isso é algo normal e comum em passeatas. Sem essas mães brancas do Black Lives Matter seria impossível realizar as passeatas nos Estados Unidos, com somente a população negra. Seriam brutalizados, com o pedido do próprio presidente Trump, das forças policiais, do FBI, do exército para exterminar os protestos de “qualquer” jeito.

“No Brasil, em 2013, durante os protestos, os black blocs faziam a mesma função [proteção], mas foram covardemente marginalizados. O racismo é uma questão de urgência, por isso o antirracismo se faz necessário e ele não é um modismo.”

Márcio Art, Salgadinho e Chrigor durante turnê do projeto Amigos do Pagode 90 — Foto: Jamile Alves/G1 AM
Márcio Art, Salgadinho e Chrigor durante turnê do projeto Amigos do Pagode 90 — Foto: Jamile Alves/G1 AM

G1 – Você tem grupo de WhatsApp com os cantores de pagode dos anos 90? Vocês zoam um do outro sobre futebol lá, tem papo sobre política? Como é?

Salgadinho – O grupo que eu mais falo é do Alô Bateria, com Ivo Meirelles, Dudu Nobre, Andrezinho do Molejo, Xande de Pilares e o Arlindinho. Daí os caras fazem uns Zooms também de vez em quando. E a gente tira onda. Mas eu não tenho muita paciência para participar de grupo de Zap não viu. [risos]

G1 – Eu também não…

Salgadinho – É que às vezes, putz, começam a rolar uns assuntos que eu só falo “Gente, vou ficar por aqui. Já sou meio velho. Me chama no privado aí quando tiver um churrasco ou qualquer coisa me avisa”. Agora nem dá mais por causa da pandemia. Mas vira e mexe, antes, tinham uns encontros da galera na casa de alguém.

Esses dias encontrei o Rodriguinho [Ex-Os Travessos] aqui no condomínio, cara. Tem um grupo de Zap aí que a gente participa junto. E aí encontrei ele aqui perto, falou que estava na casa do irmão. Eu nem sabia que o irmão dele morava aqui no condomínio. Ele falou que ia ter uma live, maneira. Daí às vezes ele me chama: “Ô Sal! Tô no seu condomínio, cara, vem aqui”.

Ele é muito gente boa. Todo o povo do pagode, a molecada, eu não tenho do que reclamar deles não. Jorge Aragão, Zeca [Pagodinho]… A gente sempre se fala por Zap. É bacana ficar conversando com essa galera toda.