Eu conseguiria fazer um post só listando defeitos de “American Crime Story: The Assassination of Gianni Versace”, série queridinha do ano passado mas que eu só fui ver agora que chegou no Netflix. Porque tem muito defeito – como a maioria das séries do Ryan Murphy (criador de “Glee”, “American Horror Story” e da excelente “The People vs O.J. Simpson”, que é a primeira temporada de “ACS”), é exagerada, meio cafona, às vezes superficial, tem uns diálogos ruins e uns atores caricatos.

Só que a série também é ótima, e eu fiquei completamente obcecada por ela, vi todos os nove episódios de quase uma hora em poucos dias e continuo totalmente obcecada pela história de Andrew Cunanan, o assassino do estilista Gianni Versace.

Darren Criss como Andrew Cunonan — Foto: Divulgação/FX
Darren Criss como Andrew Cunonan — Foto: Divulgação/FX

Versace é pouco mais que um coadjuvante aqui, apesar de seu nome no título. Seu assassinato a tiros na porta de sua incrível mansão em Miami, em 1997, abre a série, mas o foco principal dos nove episódios está no assassino, um jovem lindo, ambicioso, mitômano, obcecado com Versace por anos e que, nos meses anteriores ao crime, matou pelo menos mais quatro outros homens.

Andrew é vivido por Darren Criss, que está nada menos que excelente no papel: ele ganhou um Emmy e um Globo de Ouro de melhor ator.

Ryan Murphy optou por contar a história de trás pra frente, com cada capítulo voltando um pouco no tempo para mostrar a vida de Andrew e seu envolvimento com quem viria a se tornar sua vítima, até chegar na infância e adolescência, bem conturbadas.

Como boa parte dos personagens está morta e outra parte contesta o livro no qual foi baseada a história, a gente já vai ver a série entendendo que bastante coisa pode não ter acontecido daquele jeito (tem até um avisinho tipo “essa meio que é uma obra de ficção etc” no fim dos episódios).

Penelope Cruz como Donatella Versace — Foto: Divulgação/FX
Penelope Cruz como Donatella Versace — Foto: Divulgação/FX

Mas não importa. A recriação da escalada de violência de Andrew do jeito que a série mostra funciona muito bem: tem um crime bárbaro e chocante meio do nada e, nos episódios seguintes, a gente vai vendo como aconteceu o envolvimento da vítima com o assassino, como as coisas caminharam de um amor platônico para uma tragédia (ou como um jovem entediado resolveu que era legal matar alguém, ou como o desprezo e a falta de amor e a incessante busca por atenção o levam a cometer um crime, ou como ele era só um psicopata mesmo); a gente vai acompanhando como o fascínio que ele despertava nas pessoas, especialmente homens gays mais velhos, ia aos poucos se transformando em pena, aversão, medo, quando ele deixava à mostra o mentiroso compulsivo manipulador que era.

E vai entendendo como uma família disfuncional, com um pai megalomaníaco e uma mãe subjugada, pode ter potencializado tudo.

É entretenimento dos bons, e viciante, embora altamente perturbador (e bem violento).

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Para além dos assassinatos e da história de Andrew Cunanan, “The Assassination of Gianni Versace” também é perturbadora ao tratar da homofobia, presente em todos os níveis da história.

Da reação de Donatella à decisão de Versace de assumir publicamente o relacionamento com seu companheiro de mais de uma década, o que deixou a irmã muito contrariada e preocupada com o futuro da marca (e o seu?), à reação dos policiais ao tratar o crime inicialmente como uma “coisa de gay”, de tentar implicar a vida sexual de Versace na história, passando pela homofobia no exército (o quarto episódio, que trata disso, é o melhor de todos) e pelas histórias dos homens vivendo a vida toda dentro do armário, é tudo bem triste e alarmante – dos anos 90 pra cá mudou muita coisa, mas tanta coisa ali é tão atual.

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E, sim, eu sei: tudo o que envolve a família Versace é extremamente caricato. Acho que é por causa do sotaque e daquele negócio que a Donatella/Penelope Cruz usa na boca, sei lá. Mas eu gostei até disso. E não me venha falar mal do Ricky Martin não senhor.

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Acho que o que mais me incomodou, de tudo, foi uma breve ceninha do Gianni criança lá na Itália falando em inglês com a mãe dele, com a professora e os colegas da escola (não era uma escola bilíngue, amigos), tal qual uma novela de Gloria Perez. Custava fazer com uns atorezinhos italianos e botar umas legendinhas? Foi uma cena tão curta.

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Uma coisa que eu curti foi ver que um monte de coisa que o Andrew contava da vida dele que parecia mais uma mentira era, na verdade, verdade.

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Por fim: se você não está por dentro da história, como eu não estava, tente chegar até o final antes de ficar dando Google em tudo. Vale ver sem spoilers. Mas depois é difícil parar de querer ler todas as matérias da época sobre o que aconteceu.

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(Quando fui procurar a série no Netflix, demorei para achar: aparecia pra mim como “The People vc O.J. Simpson – segunda temporada”, o que não faz o menor sentido. Um aviso, caso você procure e não ache.)