Afinado com a ideologia social e política defendida por Marina Lima no recém-lançado álbum Novas famílias (2018), o trio carioca Não Recomendados remarcou posição com a apresentação performática com que abriu o show da cantora no Circo Voador, na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), na noite de sábado, 5 de maio.

A posição ficou (mais uma vez) bem marcada porque, em essência, o show #Não Recomendados é manifesto em forma de música feito já quatro anos por esse trio formado oficialmente em 2014 pelo carioca Caio Prado com o brasiliense Daniel Chaudon e com o paulista Diego Moraes.

Em 2011, quando os três cantores e compositores começaram a harmonizar vozes e ideias afins, a cena musical LGBT ainda estava em estado embrionário no Brasil. O país também era outro, menos inflamado e menos polarizado. Para o bem e para o mal, tudo mudou ao longo desses sete anos – o que agregou valor ao trio (e ao show) e deu ainda mais sentido à apresentação que seduziu quem esperava por Marina no palco do Circo Voador.

Basta dizer que o trio abriu o show com citação de versos de Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973) – música abordada momentos depois em impactante solo de Caio Prado, com andamentos e climas alternados – ao lado do hino queer Não Recomendados (Caio Prado, 2014) e fechou a apresentação com ênfase na expressão “resistência popular”, realçada no canto da letra de Golpistas (2016), música composta pelo mesmo Caio Prado com letra que enfatiza o verso “precisamos falar de política!” e que expõe um discurso direto, dando o recado sem sutilezas ou metáforas.

Uma das formas de o trio Não Recomendados fazer política e ativismo no picadeiro pop do Circo Voador foi se mostrar assumidamente gay, como enfatizaram os figurinos de João Pimenta (sinais, aliás, do maior aprimoramento estético do show ao longo dos anos). O recado também foi dado através das roupas, das poses, dos trejeitos e da atitude que remetem em cena a Ney Matogrosso – com quem o trio já dividiu o palco, aliás – e ao grupo Dzi Croquetes, ícones da contracultura da década de 1970.

Trio Não Recomendados no Circo Voador (Foto: Mauro Ferreira)

Trio Não Recomendados no Circo Voador (Foto: Mauro Ferreira)

Perdendo um pouco da pressão e da coesão iniciais quando o trio apelou para interações com a plateia, o show cresceu sobretudo quando o recado foi dado diretamente através (das letras) das músicas. Composição do repertório do grupo Premeditando o Breque que também ganhou a voz da indomada Cássia Eller (1962 – 2001), Rubens (Mário Manga, 1986) teve o sentido amplificado no número puxado por Daniel Chaudon. Rubens prega a diversidade sexual ao contar caso de amor gay.

Como a verdade do noticiário cotidiano não rima, Onze fitas (Fátima Guedes, 1979) reverberou com força na voz de Diego Moraes, também solista de Demodê (Edu Capello, Marcio Pazin e Diego Moraes, 2017), número em que o show adquiriu clima de cabaré.

Diego é cantor expressivo, mas, nos números individuais, ficou evidente a supremacia vocal de Caio Prado, cujo canto soou transcendental na recente música 15 de março, composta no dia em que o Brasil dormiu e/ou acordou com o impacto da notícia do assassinato da vereadora Marielle Franco (1979 – 2018). “Não há tiros / Não há covardes que executem meu canto”, disparou Prado, também o melhor compositor do trio, nos versos da música lançada na web na segunda quinzena de março.

Acima de brilhos individuais, pairou a força coletiva do trio neste show em que os cantores evocaram tradições dos grupos vocais brasileiros nas harmonizações das vozes no canto de Avesso (Ceumar e Alice Ruiz, 2003).

Embora esteja em cena há anos pelo Brasil, o show #Não Recomendados é corpo vivo, em constante mutação, como sinalizaram citações de recentes manchetes de jornais e frases de políticos na apresentação no Circo Voador. Por isso mesmo, é preciso manter a consistência do discurso.

Pela seriedade com que o trio defendeu ideais democráticos e libertários em músicas próprias ou em apropriadas abordagens de temas alheios, soou meramente jocosa a paródia do refrão do pagode Depois do prazer (Chico Roque e Sérgio Caetano, 1997) – o maior sucesso do grupo mineiro Só pra Contrariar – com a inserção de versos explicitamente sexuais.

Por mais que o gozo faça parte do show, a paródia diluiu a solidez do manifesto musical sustentado pelo peso do som tirado por músicos como André Hamilton (teclados e synth) e Bia Godói (bateria). Em cena, a propósito, o som resultou tão bem marcado quanto a posição do trio Não Recomendados. (Cotação: * * * 1/2)