Gabriel Marques, ex-vocalista e guitarrista do 'Strokes brasileiro', relembra auge da banda em 2006. 'Eu não tinha muito mais o que dizer. Pelo menos minha sensação na época era essa.'

Quando o Moptop cantou que “O Rock Acabou”, ninguém poderia prever que a profecia iria se concretizar tão plenamente 15 anos depois.

Lançada em 2005, essa música fez a banda carioca ser chamada de “o Strokes brasileiro” (ouça trechos no podcast acima).

Hoje, o vocalista e guitarrista Gabriel Marques mora em Seattle, nos Estados Unidos, e trabalha na Amazon Music. Ele é casado, pai de duas gêmeas de sete anos e faz tempo que não empunha uma guitarra.

O quarteto de indie rock surgiu no Rio de Janeiro em 2003 e durou até 2010. A banda abriu muitos shows internacionais, de Oasis e Faith No More a Franz Ferdinand.

Ao G1, Gabriel falou dos tempos de Moptop e dos tempos de Amazon.

Gabriel Marques nos tempos de Moptop; e recentemente, em foto do LinkedIn  — Foto: Divulgação e Acervo Pessoal
Gabriel Marques nos tempos de Moptop; e recentemente, em foto do LinkedIn — Foto: Divulgação e Acervo Pessoal

G1 – Como é um dia normal na sua vida hoje?

Gabriel Marques – Na verdade, nada é normal nesse momento, né? Tenho o meu dia hoje e o meu dia pré-pandemia. Tenho gêmeas de sete anos. Hoje, é uma confusão, porque a escola ainda é virtual. Então, eu e a minha esposa, a gente está aqui fazendo o “homeschooling” delas.

E meu escritório no momento é aqui no subsolo da nossa casa e a escola é também aqui embaixo e vem outra criança, que está aqui na nossa bolha. Hoje em dia, estou trabalhando virtualmente, com crianças na escola virtualmente. Gritaria, confusão, está meio bagunçado. No contexto da nossa conversa, é um ritmo de trabalho muito mais acelerado do que comparado à minha época de banda.

G1 – Para quem é leigo, o que é que você faz na Amazon?

Gabriel Marques – Como é que eu explico? Eu lidero o time de produto do catálogo da Amazon Music global. Isso quer dizer que a gente cuida do “supply chain digital”, da Amazon Music. Então, é receber todos os conteúdos e metadados das gravadoras. A gente faz o enriquecimento desses metadados, digamos assim. Tem muita classificação em termos de qual tipo de música e por aí vai. A gente cuida de letras, de popularidade, e outras áreas.

Basicamente, a maneira mais simples de explicar é que a gente cuida do banco de dados que está por trás de todo o catálogo da Amazon Music. É bem grande, e tem “n” complexidades para se manter os serviços que estão por trás do produto.

A banda carioca Moptop — Foto: Divulgação
A banda carioca Moptop — Foto: Divulgação

G1 – Agora voltando para a banda: o que você sente mais falta e o que sente menos falta dos tempos de Moptop?

Gabriel Marques – Eu sempre gostei muito de compor e gravar. Eu acho que essa parte que eu mais gostava de ser músico. De poder ter esse processo criativo. Fazer uma música é uma coisa muito legal, cara. Você desde o início até fazer os arranjos e tentar várias formas diferentes até chegar em um produto final. Dessa parte eu sinto muita saudade. Show, um pouquinho. Mas eu não sinto falta de estar na estrada toda semana. O pique de estar viajando todo fim de semana foi um dos motivos que eu decidi que eu queria tentar outra coisa.

G1 – Mas a sensação de estar em turnê era ruim? De estar em um lugar e depois outro…

Gabriel Marques – Os shows no Brasil começam muito, muito tarde. Então, eu lembro de a gente entrar no palco duas, três horas da manhã às vezes. Até você se desligar disso, você está dormindo seis horas da manhã para pegar um avião ou está saindo do hotel lo depois… Esse pique é bem cansativo. Eu acho que tem uma hora que você não aguenta mais.

E banda independente ou banda menor as pessoas acham que é tudo glamouroso, tudo hotel cinco estrelas e não é, né? Tem momentos que um dia você está em um esquema bem legal com a equipe toda viajando, hotel legal, palco legal e no outro dia você está viajando de carona, enfim. Eram altos e baixos.

“Quando eu tinha meus 20 e poucos anos eu adorava, achava um barato. Mas você vai ficando um pouco mais velho e vai cansando um pouco.”

O quarteto carioca Moptop — Foto: Divulgação
O quarteto carioca Moptop — Foto: Divulgação

G1 – E isso foi o motivo de a banda ter acabado?

Gabriel Marques – Foi um deles. Eu acho que o principal foi que eu comecei a me interessar por outras aulas e profissionalmente eu queria fazer outra coisa. Eu acho que esse foi o primeiro motivo. Segundo motivo acho que foi isso que eu falei, eu fiquei cansado um pouco do estilo de vida e do pique da estrada. Acho que o terceiro foi uma coisa artística mesmo. Eu não tinha muito mais o que dizer. Pelo menos minha sensação na época era essa.

O primeiro disco foi muito fácil de fazer. Em alguns poucos anos, eu compus 50 a 100 músicas. Saía uma música atrás da outra. O segundo disco já foi um pouco mais difícil. Eu acho que eu tive que forçar muito processo criativo. Tinha algumas sobras do primeiro disco, ou coisas que ainda não estavam completamente terminadas. Eu acho que o segundo disco foi muito mais cabeça talvez do que coração. Não sei se faz sentido…

G1 – Entendi. Faz sim.

Gabriel Marques – E aí, para um terceiro, eu lembro que eu pensava… [risos] Para fazer um disco, eu estaria fazendo plágio de mim mesmo. Naquele momento, eu não conseguia enxergar como eu que ia fazer um terceiro disco.

G1 – Você reouve? Se por acaso você ouve ou mostra para alguém dizendo ‘olha, eu tive uma banda’, rola esse tipo de situação? E como que as músicas envelheceram para você?

Gabriel Marques – Boa pergunta. Olha, eu consigo curtir mais e mais o trabalho com o passar do tempo. Talvez até por uma certa nostalgia daquela época. Eu lembro que dez anos atrás eu não conseguia escutar Moptop, eu escutava e era muito difícil ter um distanciamento. Não escutava por escutar. Eu fiquei bastante tempo sem escutar e sem tocar as músicas.

“Acho que agora com minhas filhas crescendo, tive algumas oportunidades de mostrar para elas. E aí eu escuto e curto: “Pô, que barato”. [risos] Eu ainda escuto com um certo olhar crítico, mas eu consigo já curtir.”

Capa do primeiro álbum do Moptop — Foto: Divulgação
Capa do primeiro álbum do Moptop — Foto: Divulgação

G1 – E o povo da firma, o povo da Amazon, sabe que você tinha banda?

Gabriel Marques – Quando eu entrei na Amazon, eu não falava. Aí volta e meia alguém me reconhecia, em momentos fora do trabalho. Sei lá, tomando um chope, e alguém tocava no assunto ou eu tocava no assunto. Aí quando eu me mudei para os Estados Unidos, eu acho que eu passei a falar mais, mas pelo menos aqui na Amazon Music, cara, todo mundo aqui tem banda. Todo mundo veio de alguma banda… Então, não é nada especial. [risos]

G1 – É como falar da escola ou da faculdade, então…

Gabriel Marques – É… Exatamente. “Ah, legal! Você também teve uma banda”. Às vezes, eu falo um pouco mais e digo que a gente abriu pro Oasis uma vez. E aí as pessoas falam “que legal”. Acho que tem uma reação um pouco diferente. Nesta mesma semana, a gente tinha sido indicado para Melhor Site de Música no South By Southwest. E a gente teve que escolher entre ir para lá ou fazer a abertura do Oasis. O ápice da banda foi naquelas duas semanas [em março de 2006].

G1 – E era você que tinha feito o site?

Gabriel Marques – Eu e o Curi, que era o guitarrista. A gente botou muitas horas naquele site. A gente se divertia: “vamos botar um botãozinho aqui, botar um Pac-Man”. Cada mês, a gente tinha uma ideia e ia botando coisinhas.

G1 – Voltando às aberturas, como era abrir para Oasis, Placebo, Franz Ferdinand?

Gabriel Marques – Acho que tinha um lado bom e um lado bem ruim. O lado bom era a oportunidade de mostrar música pras pessoas que talvez não conheciam seu trabalho. E essas bandas que você citou a gente era fã. Você divide o palco, conhecia eles, interagia. Era uma honra. O lado ruim é que as pessoas não estão ali para te ver. Eu lembro que a mentalidade era “entra rápido, sai rápido, não faz pausa entre música, toca as mais pesadas ou mais dançantes”. Mas foi um barato. A gente ficou com uma certa fama de uma boa banda de abertura… Eu acho que a gente dava conta. Era fácil lidar com a gente e a gente tinha um showzinho enxuto que funcionava.

Moptop com a atriz Nanda Costa, nos bastidores do clipe de 'Contramão' — Foto: Divulgação
Moptop com a atriz Nanda Costa, nos bastidores do clipe de ‘Contramão’ — Foto: Divulgação

G1 – Tinha até uma piada, que eu não sei se chegou em vocês. Que era: “Não é possível! Tem alguém do Moptop que tá pegando alguém das produtoras de show para conseguir abrir tudo”.

Gabriel Marques – Não, não é… [Risos] Eu acho que o produtor olhava aí e pensava: “A gente precisa de uma banda de abertura, quem é que já abriu para banda internacional e não foi uma merda”. Aí ficou nisso. Era uma escolha com pouco risco. E acho que outra coisa do Moptop é que a gente era uma banda de indie rock, mas a gente flertava com outros estilos. Mas a gente abriu de Faith No More a Oasis, até Franz Ferdinand… até umas bandas nacionais que você diria que “pô, não tem nada a ver”. Mas por algum motivo funcionava. Ou os produtores achavam que funcionava.

G1 – Agora uma pergunta mais viajada… Você vivendo a música hoje desse lado da tecnologia, de dados, como você vê a música que você fazia antes? Você olha de alguma outra forma?

Gabriel Marques – O Moptop só foi possível por uma ingenuidade daquela época. Eu nunca tinha pensado em ser músico. Eu não era cantor e até guitarra, pré-Moptop, eu tinha parado de tocar guitarra há alguns anos. Tocava quando era moleque, mas tinha parado. Então, eu não sei o que me deu na cabeça de achar que eu conseguia fazer aquilo. Eu acho que era uma ingenuidade, uma certa ignorância de como é difícil você ser músico, de como é difícil você ser descoberto e as pessoas se interessarem. Como é difícil fazer música boa, como é difícil gravar, botar um show legal. E fazer isso tudo, no Brasil, em um gênero que não é dos principais estilos de música.

Eu olhando hoje, vejo o catálogo que a gente tem na Amazon Music, e quantos artistas a gente tem. Cara, é assustador o número de artistas e quais desses artistas realmente têm gente escutando.

“A chance de você montar uma banda e dar certo são muito pequenas. A ingenuidade do início foi a razão de a gente ter ido a uma certa distância. Eu não quero desencorajar quem está começando, muito pelo contrário, acho que mostra um pouco a mágica da coisa toda.”

G1 – Hoje em dia, você não toca guitarra, não canta? Não é músico nem amador…

Gabriel Marques – Muito pouco. Eu toco violão aqui em casa com elas. Mas muito pouco. Todo ano eu falo que eu vou voltar a ter banda, compor, mas todo ano tem passado e não tenho cumprido minha meta.